“Como artista me sinto mais confiante, mais potente”, afirma Dro em conversa com A Pista

Dro, rapper e produtor paulista, 27, lançou no mês passado seu segundo projeto autoral: o EP “Meu Coração é Meu Veleiro e Meu Guia”. O trabalho é composto de 7 faixas produzidas pelo próprio Dro e conta com as participações de Victor Xamã, MAND’NAH, Serkiary e ABOMINVTION.
A arte da capa foi criada por Beatriz Ruston e casa muito bem tanto com o título escolhido quanto pela sonoridade que é contagiante e melódica ao mesmo tempo. O projeto está disponível nas principais plataformas digitais.
A primeira empreitada solo do artista foi em 2018 no ótimo EP “Deserto de Danakil” que também é auto-produzido por Dro e possui colaborações com niLL e João Alquímico. A proposta é bastante original e traz o rapper/ produtor em outro momento de sua vida, fato que pode ser captado pela audição das 6 músicas.
A Pista conversou com Dro sobre sua paixão pela música desde pequeno, a inspiração para a criação dos seus últimos trabalhos, seu processo de crescimento e amadurecimento como artista e pessoa, além de sua carreira como rapper e produtor que já chegou até a trabalhar em um estúdio de funk onde produziu diversas músicas.
Entrevista
A Pista: Quando decidiu se tornar um rapper e um produtor?
Dro: Eu nunca tive esse momento, esse estalo. Eu sempre gostei de fazer música desde quando comecei a tocar. Na verdade até antes. Na escola quando tinha aqueles dias tipo Dia da Água, Dia dos Pais, etc. e a gente tinha que fazer algum texto ou algo do tipo, eu sempre fazia um poema. E quando a professora perguntava quem queria ir lá na frente ler, praticamente só eu levantava a mão, super empolgado pra recitar a parada que eu escrevi pra todo mundo da classe (risos). Lembro que todas as vezes que tinha esse tipo de atividade algum amigo meu pedia pra que eu ajudasse ele a fazer, porque achava que eu tinha essa facilidade com as palavras. Comecei a mexer com o Guitar Pro lá pra 2006, 2007 e lembro que fazia minhas primeiras composições lá, já que era um programa que a gente pode simular diversos instrumentos.
Eu fazia tudo no violão velho do meu pai e transpunha tudo pro Guitar Pro e escrevia letras em cima. Nessa mesma época eu comecei a brisar no Audacity e fazer música quando eu chegava da escola. Usando esse mesmo violão e qualquer outra coisa que tivesse na minha casa que desse pra fazer um batuque, seja uma madeira, um ferro, ou batendo as mãos no meu peito. Lembro que gravava sons tipo jogando água num copo pra fazer uma ambientação, brincava com os reverbs e delay e fazia um monte de música muito doida, mas era muito divertido. Acho que desde aí o Dro de hoje já tava em formação. Pena que eu perdi tudo isso, eu pagaria muito dinheiro pra poder ouvir esses sons de novo. Na verdade acho que esses anseios de escrever e de compor sempre estiveram dentro de mim e só foram desabrochando conforme eu ia fuçando e fuçando cada vez mais, descobrindo musica nova, descobrindo novos jeitos de fazer música. Sempre foi uma diversão pra mim e acabou virando amor e trabalho quase 15 anos depois.
AP: A sonoridade da sua música é muito original desde o primeiro EP “Deserto de Danakil”. Como surgiu o nome desse seu primeiro projeto e quais são suas referências musicais na hora de criar? Elas vão além do rap?
Dro: Eu vi um documentário sobre o Deserto de Danakil quando cheguei em casa de madrugada meio bêbado depois de um rolê qualquer. Na época eu já tinha algumas músicas como “Óculos Escuros e Moletons Furados”, ‘Nuvem Roxa” e percebia que elas tinham uma atmosfera em comum. Eram músicas com instrumentais densos, lentos, esfumaçados, ácidos. E foi praticamente uma epifania quando eu liguei a TV num canal qualquer que eu tenho certeza que eu jamais ia parar se não fosse naquele momento ali. Acho que é coisa do destino mesmo. Sempre paro pra pensar e fico “caralho… isso é muito doido” (risos). Vendo aquelas imagens do deserto e com o cérebro funcionando de forma diferente por causa da bebida ali no sofá naquele momento mesmo eu bolei o conceito do EP: de associar nós (seres humanos dotados de emoções causadas por diferentes balanceamentos de substâncias químicas no nosso cérebro) ao Deserto de Danakil que é um dos lugares mais bonitos e diferentes do mundo, mas que é praticamente inacessível devido a suas peculiaridades que envolvem lagos de ácido, vulcões de enxofre e outras maluquices.. Todos nós mano, TODOS mesmo, até a pior pessoa do mundo possui algo de bonito dentro dela que a grande maioria das pessoas provavelmente não conseguem acessar devido a toda essa carga tóxica que a gente emite naturalmente, porque é natural do ser humano, tá no nosso instinto. Eu achei genial na hora e procurei levar esse conceito tanto pras letras, quanto pros instrumentais, que misturam elementos musicais bem fáceis de digerir como refrões chiclete, samples bonitos de piano e guitarra, com coisas que incomodam nosso ouvido como melodias dissonantes e baterias fora do ritmo. Eu realmente não lembro o que eu tava ouvindo na época, então não sei dizer exatamente quais eram minhas referências naquele momento, mas posso afirmar com certeza que eu tava ouvindo bastante coisa fora do rap porque isso é constante pra mim.
AP: Como foi o processo de criação do último EP “Meu Coração é Meu Veleiro e Meu Guia” e por que esse título? Foi diferente do projeto anterior?
Dro: Acho que o processo do segundo EP foi bem parecido com o primeiro, eu já tinha algumas músicas que tinham uma cara em comum. Tipo em termos de instrumental, tema e o nome “Meu Coração é Meu Veleiro e meu Guia” acabou aparecendo no meio de tudo isso meio que sem querer assim como quando eu tive o estalo do nome “Deserto de Danakil”.
Tudo aconteceu quando eu tava escrevendo o segundo verso da faixa 4, que carrega o título do EP. Ele começa assim: “Tudo no seu tempo e no balanço que Deus pede / Meu Coração é meu veleiro e meu guia”. No momento que eu escrevi essa frase, que eu li ela, que eu disse ela em voz alta, eu falei: “Caralho, isso ficou bom”. Ficou bom de ler, bom de falar, tinha um som forte e uma estética bonita. Da mesma forma percebi que as letras dos sons que eu já tinha pronto falavam muito dessa parada de ser guiado pelo coração como uma bússola desgovernada que pode nos levar pra glória tanto quanto pro buraco. Aí então naquela hora ali mesmo tive o mesmo momento de epifania pela segunda vez. E acho que sempre vai ser assim comigo. Sempre quando eu tenho um conceito antes das músicas não dá certo. Já tive ideias de nomes de álbuns, EPs, antes de fazer as faixas e NUNCA ROLOU PRA MIM.
É uma pena porque varias ideias eram muito boas, mas simplesmente não rolou! Eu tenho uma crença de que todo tipo de arte existente e fabricada pela mão e mente humana já existe em um plano paralelo, na quarta, quinta dimensão. Tá tudo lá pronto e vivo, todas as notas, todas as cores, todas as texturas tão lá flutuando e habitando naquela dimensão distante e na verdade nós, os artistas, somos só os receptores. A gente psicografa e traduz todas aquelas frequências extra dimensionais pra nossa dimensão e realidade e não adianta a gente querer forçar esse contato. Como eu disse, a gente só recebe, a gente não cria, a gente não tem poder nessa relação ser humano/arte. Quando eles chamam a gente atende e só. Falando dessa forma parece algo zuado como se a gente tivesse numa posição submissa, mas a real é que eu acho tudo isso bem maneiro (risos). Curto imaginar que funciona assim mesmo, mas é só brisa minha, pela minha experiência.
AP: Você costuma escrever antes de fazer o instrumental ou vice-versa?
Dro: EU SEMPRE SEMPRE SEMPRE faço instrumental antes. Acho que eu sou mais produtor do que rapper. Se eu escrevi 300 raps na vida, eu fiz 3000 beats, na moral. Eu gosto de ilustrar esse processo usando a ideia da minha cama. A gente pode deitar e dormir em várias camas na nossa vida, mas a gente sempre vai dormir melhor na nossa, independente se a nossa é só um colchão velho e a do amigo seja uma king size foda. O meu instrumental é minha cama. Eu conheço cada cantinho dela, aonde é mais macio, aonde ela afunda, e por isso eu sei o melhor jeito de dormir nela. Fazendo um paralelo, eu vou saber como posicionar minhas palavras, minhas melodias e meu silêncio da melhor forma porque eu conheço meu beat melhor que qualquer um. Até aquele elemento mais oculto que praticamente só eu percebo que ele tá ali, eu vou saber como tirar o melhor proveito dele. Eu não consigo fazer a letra antes do instrumental de jeito nenhum.
AP: Você vê diferença entre o Dro do EP “Deserto de Danakil” e o do EP “Meu Coração é Meu Veleiro e Meu Guia”? Você considera que mudou de algum modo como artista e pessoa durante esse tempo?
Dro: Com certeza. Como artista me sinto mais confiante, mais potente. Hoje em dia também eu sei a importância do trampo além da parte musical. A parte de imprensa, de divulgação, de planejamento. Eu lancei o “Deserto de Danakil” no modo foda-se e de certa forma me arrependo disso, acho que podia ter colhido bem mais fruto dele se eu tivesse uma equipe pensando comigo como tenho hoje. Sei que ainda posso me profissionalizar bem mais, ainda tô engatinhando nisso. Mas o primeiro passo eu já dei e tô dando e já tá dando uma diferença foda. O “Deserto” foi de fato sendo passado no boca a boca por quem gostou, porque a divulgação dele foi praticamente inexistente.
Como pessoa sinto que sou uma pessoa mais equilibrada hoje, sinto que eu me ouço mais.
Eu tenho uma relação melhor com a minha família, estou construindo uma vida com minha companheira, revi hábitos, parei de fumar cigarro, tento dormir em horários melhores, mudei prioridades. Inclusive eu não venho consumindo álcool também, que é algo que fez parte da minha rotina praticamente há mais de 10 anos. Eu bebi no dia do lançamento do EP (17/09), foi a última vez. Não sei até quando, não quero fixar datas nem falar “nunca mais”, mas sei que me sinto melhor hoje em relação ao meu corpo, minha mente, meu coração, do que na época do “Deserto de Danakil”. Acho que tudo isso acabou impactando na sonoridade mais viva desse último EP.
AP: A pandemia impactou seu processo criativo de algum modo?
Dro: Eu não sei dizer, mas acho que não. Acho que impactou mais no processo de gravação e mixagem/masterização.
Eu tive que mandar o meu microfone via Uber pro Serkiary gravar a parte dele em “Se Eu Soubesse Cantar” já que ele mora em outra cidade, pedalei 25km até a Zona Leste de SP com meu pedestal e microfone nas costas pro Victor Xamã conseguir gravar a parte dele em “Opala Negra”, a mixagem/masterização foi toda feita a distância pelo meu mano Vitor Souza Santos (vulgo ABOMINVTION), o que pra mim foi um processo torturante porque eu sempre gostei de estar ali do lado dele pra fazer isso, mas no fim deu certo, muito certo.
AP: Você também tem faz beats para outros artistas como o niLL e a nabru. Como você decide em que beat você vai rimar e qual você vai mandar para outro artista?
Dro: Como eu disse antes, acho que sou mais produtor do que rapper, então tem muito beat bom que eu faço que fica aqui jogado no meu PC, mano. E eu não vendo beats. Já tive muita experiência zuada com esse processo. Cara que compra o beat e não grava, cara que compra o beat e mixa a parada de forma horrível, cara que compra o beat e fala merda na letra. Então certo dia eu decidi que só ia produzir galera que eu conhecesse e de fato curtisse e confiasse no trampo. Eu mando uns beats pro niLL vira e mexe desde quando eu conheci ele e se as vezes tô fazendo um beat e imagino a voz dele ali, eu mando. Com a nabru é mais ou menos da mesma forma também, eu mando um catadão de beat que fica aqui parado e ela faz, mano. O mais louco é que ela é muito versátil então eu mando beat de todo tipo: Rap, funk, house e ela manda de volta e eu quase choro. Mas, mano, pouca gente tem som em beat meu. O CD “Destinos Distintos” do meu grupo antigo Zerando o Saldo foi todo produzido por mim, tem algumas produções minhas em trampos do Rancho Mont Gomer que é um coletivo de amigos lá da Zona Norte de São Paulo, tem beat meu na LUANSANTANAMIXTAPE do Sergio Estranho, produzi uma faixa do primeiro CD do PrimeiraMente chamada “Tento Escapar” e produzi algumas músicas do EP “Astuto” do meu parceiro ChineDu lá de Mogi.
O que pouca gente sabe é que eu já produzi muito Funk, porque trabalhei em um Studio de Funk durante o ano de 2018; Ao todo deve dar umas 50 faixas, mas as que eu mais gosto são: “Mundo Gira” do Mc Pajé, Mc Renan R5 e Mc Bob Boladão,”Verdadeiros Amigos” e “Briga Constante” do MC Pajé, “Despedida” do Mc Bob Boladão e MC CB,”Foco na Bala” do MC Deko DK e MC Menor da VD e “Hoje os Favela da Risada” do MC Kaio 13. Com certeza tem mais algum trampo que eu não lembro (risos), mas esforçando foi esses aí. Ah, e eu lancei um set de 1h de duração com 27 beats antigos meus pra comemorar meus 27 anos que completei recentemente, tá lá no meu canal.
Tenho vontade de lançar algum trampo com algum artista e eu só na função de produtor. Tomara que role aí mais pra frente, já tive umas conversas e talvez aconteça mesmo num futuro recente.
AP: Já tem alguma ideia de como será o seu próximo projeto em termo de sonoridade ou temas?
Dro: Pra ser sincero não e isso me deixa meio ansioso (risos), mas tudo bem.
AP: Suas músicas têm muitas referências de cinema. Desde o primeiro EP em “Nuvem Roxa (Far Away)” que você usa o faroeste para uma metáfora de um relacionamento, até algumas faixas do novo EP como a própria faixa-título do EP “Meu Coração é Meu Veleiro e Meu Guia” em que cita o “Corra” do Jordan Peele e “Opala Negra” em referência ao filme “Jóias Brutas”. O cinema é uma inspiração pra você na hora de compor uma música ou criar um conceito pra ela?
Dro: Mano, na verdade, não. Eu não sou muito do cinema não. Manjo muito pouco de diretores e tem muito filme clássico que eu ainda não vi tipo “Clube da Luta”, “A Origem” e minha namorada quase me bate (risos), nem “Matrix” eu nunca vi.
Eu sou muito inquieto. Pro filme me prender eu tenho que curtir e me sentir entretido mesmo. Eu acabo pondo essas referências na letra pra gerar a sinestesia, pro ouvinte imaginar a parada ali mais viva enquanto ele ouve a música, sabe? Mas não é algo que eu me policio pra usar sempre, só sai. Pior que tem muita referência de filme mesmo (risos). Mas “Corra” e “Jóias Brutas” eu assisti e achei muito foda os dois. Eu curto muito usar referências no geral.
Em “Como Se Fosse um Filme” tem referência de X-Men, de futebol. “Feito Jimi” tem referência de Breaking Bad: “Lembro do tempo ZOS (Zerando o Saldo), Walt e Jesse cozinhando, e a meta(nfetamina) nossa era ter um clipe”.
Enfim, acaba sendo meio sem querer. Mas sempre acho maneiro quando ouço o som de outra pessoa, então provavelmente vou me atentar mais pra fazer isso no futuro (risos).
AP: O que tem ouvido de música ultimamente? Poderia recomendar algum disco que tem curtido bastante para nossos leitores?
Dro: Eu vou deixar aqui 10 álbuns que eu tenho salvo no Spotify nesse exato momento (tá em ordem alfabética):
- Bonsai — Martini Bianco
- d4crvz — O Menino Gabriel Mixtape
- Dua Lipa — Future Nostalgia
- Gilsons — Várias Queixas
- IDLES — Joy as an Act of Resistance
- Jards Macalé — Jards Macalé
- kolx e keith — Tipos de Rochas & Minerais (Mixtape)
- Pink Floyd — Dark Side of The Moon
- Rodriguinho, Gaab — Legado: Música pra Brisar
- Sunni Colón — Satin Psicodelic
Mas se é pra eu recomendar um álbum, eu vou por o meu CD preferido de todos os tempos, da minha banda preferida: Red Hot Chili Peppers — Blood Sugar Sex Magik
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