“Golpe de Sorte em Paris”, o 50º filme de Woody Allen
“Golpe de Sorte em Paris“, que chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (19/09), está muito distante de ser um dos melhores filmes de Woody Allen, mas ainda é o melhor Woody Allen dos últimos 8 anos. Com uma carreira extensa no cinema autoral, este é o 50º filme do nova-iorquino.
Neste longa, que se passa em Paris, estão presentes os principais temas que sempre obcecaram o diretor: o amor (e a irracionalidade que envolve este sentimento), a busca da felicidade e a influência do acaso (ou da sorte referida no título) na vida das pessoas. O filme é um drama com toques de romance, comédia e investigação policial (principalmente na sua metade final).
Fanny (Lou de Laâge) e Jean (Melvil Poupaud) parecem um casal perfeito na teoria, mas a chegada de Alain (Niels Schneider) rompe este equilíbrio. Alain é obcecado por Fanny desde a época em que estudaram juntos, e finalmente confessa seus sentimentos pouco tempo depois de encontrá-la aleatoriamente em um “golpe de sorte” na primeira cena do longa. O roteiro torna fácil a tarefa do espectador de antipatizar com o marido, mesmo que supostamente ele seja a parte lesada desta relação. O personagem é apenas uma pessoa rica que ninguém sabe como enriqueceu, ele é alguém sem história, moral ou hobbies interessantes. A vida fútil dos ricos, principalmente do marido e de seus conhecidos, é satirizada durante grande parte da história. Pra completar, seu sócio morreu recentemente e ele foi considerado suspeito, mas a investigação acabou não dando em nada. Estas informações são dadas de forma sutil pelo roteiro. Temos motivos de sobra, desde o começo, para antipatizar com este homem.
Já a personagem de Fanny, a esposa, trabalha vendendo obras de arte e Alain, o amante, é um romancista. Estes são integrantes típicos da filmografia do diretor. Eles estão sempre falando de arte e tem aspirações “elevadas”, ideias grandiosas sobre a própria vida e o amor. O roteiro, que foi escrito pelo próprio Allen, como sempre, toma o lado destes dois. Allen se rende à paixão deste casal apaixonado vivendo um romance improvável. As cenas deles juntos são as partes mais bonitas e poéticas da história.

Apesar das boas interpretações dos atores que formam o jovem casal, os personagens – assim como nos últimos filmes do diretor – não são tão memoráveis em si, pois não há nada inédito em suas aspirações. As tramas, que também não são inovadoras, ainda conseguem manter o interesse do espectador, muito mais pelo modo como são amarradas pela trilha sonora e a montagem. A trilha sonora repleta de jazz (um dos gêneros favoritos do cineasta) cumpre o papel de ser o fio condutor narrativo, ao mesmo tempo que complementa a beleza das locações filmadas – e que também é amplificada pelo ótimo trabalho e experiência do aclamado diretor de fotografia Vittorio Storaro.
O italiano Vittorio Storaro, apelidado de “o mago da luz”, já colaborou com Woody Allen em filmes como “Café Society” (2016), “Roda Gigante” (2017), “Um Dia de Chuva em Nova York” (2019) e “O Festival do Amor” (2020). Ele também trabalhou com outros grandes nomes do cinema mundial como Martin Scorsese, Francis Ford Coppola e Bernardo Bertolucci. Além de não ser a primeira colaboração de Allen com Storaro, esta não é a primeira produção de Woody filmada na Europa, alguns exemplos são os ótimos “Match Point” (2005), “Vicky Christina Barcelona” (2008) e “Meia-Noite em Paris” (2011).
O estilo tradicional de direção de Allen está presente neste trabalho, mas também há surpresas para o público na parte estética. Às vezes, a câmera faz enquadramentos bastante fechados no rosto dos atores e isto cria uma sensação de claustrofobia no espectador e também nos personagens – como se eles estivessem presos conosco naquela situação. O plano geral mais distanciado costuma ser a regra comum nos filmes mais conhecidos do diretor.
Outro fator que influencia muito nesta atmosfera claustrofóbica é a saturação de cores (principalmente o azul), perto do final da história. Storaro estoura o azul que ilumina o rosto do personagem do marido traído – que mostrará sua outra face para a esposa. É como se o cineasta e o diretor de fotografia quisessem mostrar como um lado deste personagem tomou conta, alguém mostrando suas “verdadeiras” cores. Este é um recurso mais expressivo da cor que chama a atenção por sua artificialidade. Antes, as cores da fotografia eram equilibradas e por isso davam a ideia de um casamento com conflitos mínimos, mas quando o casamento começa a ruir de fato este efeito é utilizado em grande medida, às vezes até de uma forma excessiva.
A sorte, que é referida no título do filme, tem definições diferentes para os personagens principais. Jean, o marido, acredita em fazer a própria sorte – tanto na vida quanto no amor e no trabalho. Ele tem uma personalidade controladora e isso é mostrado desde o começo da história. Alain, o amante, acredita no acaso da vida. Não é à toa que a profissão do personagem é escrever – um ficcionista, alguém que inventa histórias -, sua personalidade é a de uma pessoa romântica por natureza que acredita que ninguém tem controle completo sobre o próprio destino. Estas são duas versões distintas em batalha por todo o filme, outro tema recorrente do diretor.
“Golpe de Sorte em Paris” é levemente mais inspirado do que os longas anteriores de Woody Allen. Este trabalho pelo menos cumpre com o que se propõe a ser: uma história de amor que se passa em Paris (uma cidade romântica por definição) e que convida o espectador a fazer parte deste mundo de pessoas privilegiadas que não tem nenhuma preocupação além da própria felicidade individual. O filme funciona tanto para fãs da filmografia de Allen quanto para quem não é tão familiarizado com a sua obra. Isto pode ser algo positivo por um lado e negativo por outro. Ou seja, há lados de autorismo no filme e também a exploração de temas filosóficos e existencialistas que obcecam o diretor, mas nada muito profundo e que se sustente por muito tempo na mente do espectador após o fim da sessão. São pouco mais de 1h30 passadas com personagens que entretém e divertem o público, mas nada mais do que isso.
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