Cinema

49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – “Sirât” e a anedota de um futuro em que o paraíso parece longe de se concretizar  

Extremamente sensorial, "Sirât" (Oliver Laxe, 2025) é mais um daqueles filmes de Cannes que você ama ou odeia
Foto de divulgação Sirât 2025

Sirât

Em um mundo altamente globalizado e tensionado por inúmeras razões, entre elas a religiosa, “Sirât” é uma ponte entre o passado, o presente e o futuro, em que Oliver Laxe, com ajuda de Almodóvar (como produtor do filme) e a consagração de Cannes, se estabelece de vez no cinema político e mostra que sua filmografia é também uma busca por identidade, pertencimento e reconhecimento e que talvez aí mostre sua principal força. Nesta obra Oliver subverte as categorias comuns de um filme, em que se em um determinado plano o enredo parece ser sobre um pai que busca sua filha desaparecida a seis meses, na verdade o que se mostra é uma história que há muito já deixou de ser sobre a investigação de uma filha e o que era secundário, aparece então como a força motriz de uma narrativa densa, porém muito bem construída.

O Islamismo sendo a principal religião do Marrocos aparece aqui como metáfora sensorial e se a Galícia, território de origem dos pais de Oliver, luta até hoje pela independência da Espanha, o mesmo aconteceu com Marrocos. País ocupado por dezenas de anos por franceses e espanhóis e que encontrou grande parte de sua resistência no deserto, e claro na fé, é apresentado por Oliver como o resultado de muito tensionamento. Ter fé é em grande parte atravessar o deserto da incerteza. As-Sirāt é uma palavra traduzida do árabe que não se verifica nos registros que se tem conhecimento do Alcorão, mas que teria chegado até os dias de hoje como uma anedota dos escritos de Maomé e poderia representar algo como a ponte que todos precisam atravessar no dia da ressurreição para então entrar no paraíso. 

Se o ritual sagrado em torno da Hajar el Aswad (Pedra Negra, objeto sagrado para o Islamismo) é apresentado como um momento em que a música aparece como personagem, durante vários outros momentos do filme temos uma trilha sonora eletrizante e hipnótica, quase ritualística, em que a música composta principalmente por hippies e nômades e que hoje fazem parte da chamada cena underground da música eletrônica – que no filme são mostrados como “caçadores” de festivais no meio do deserto -, também é apresentada como personagem e muito bem sintetizada em uma das falas mais marcantes do longa, a “música que não é para se escutar, mas sim dançar”, vibra conforme a energia, seja ela da natureza ou dos sentimentos humanos. 

Se nestes festivais a música também é personagem, em um lindo road movie cada imagem composta por Mauro Herce também soa como algo vivo. Uma sinuosa cadeia montanhosa de Marrocos nos é apresentada, mas ali também caminhamos pelos sinuosos sentimentos humanos. No contraste de um dia de sol ou de uma noite no deserto, não sabemos muito bem o que sentir ou onde pisar, só sabemos que o futuro utópico que imaginávamos está muito longe de acontecer. Com uma aparente terceira guerra mundial começando onde devemos pisar ou permanecer?  Os jovens que encontram na música e no deserto um refúgio caminham em que direção ao futuro?

Só que “Sirât” na verdade é muito mais do que um road movie ou um filme político que conta com a música e a religião como aparente plano de fundo. Logo no começo sabemos também que o enredo que parte da ideia de um pai em busca de uma filha vai se debruçar sobre outras questões e se para grande parte dos personagens do filme o deserto é um lugar de refúgio e tranquilidade, o que é esse espaço para esse pai? E o que este espaço se torna olhando para o passado de uma violenta guerra? Quando a música desliga e a noite chega como lidamos com a dor? 

Poster de divulgação de Sirât 2025, filme visto pela A Pista Jornal na cerimônia de abertura da 49ª Mostra de Cinema de São Paulo 

“Sirât” é um filme sobre um pai que ama muito e que talvez por amar demais não sabe quando deve puxar o freio de mão, ou sobre um suposto Deus que não sabe a hora do juízo final? Silêncios, vazios, faróis acessos que rasgam a escuridão, angústia latente que cresce a cada frame, dão a tônica de uma metafísica do desaparecimento. Em um mundo onde o imigrante é a ameaça constante é no mínimo curioso que um filme em que a ameaça do não dito, e que tem como plano de fundo o Marrocos, seja o representante da Espanha no Oscar 2026 e tenha ganhado o prêmio do grande júri em Cannes.  

Lembrando que as sessões da Mostra para “Sirât” precisam ser adquiridas antecipadamente pelo app da MostraSP ou Velox Tickets e as duas últimas sessões serão 22/10, 20:15 no CINESESC ou 24/10, 14:00 no MULTIPLEX PLAYARTE MARABÁ – SALA 1.

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3 comentários

  1. Esse filme me lembrou muito Nove Dias, do Edson Oda — que, inclusive, é nipo-brasileiro — e retrata o deserto como um espaço “entre”, um quase “antes” ou um quase “depois” da vida.

    Fico pensando o quanto inúmeros filmes fazem uso do deserto aproximadamente como um personagem em si. Nisso, Casa de Areia também marca o deserto como um lugar antes/depois de algo.

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