Cinema

49ª Mostra Internacional de cinema de São Paulo – “Folha seca” e a repetição cotidiana – quando deixamos de existir?

Filme que recebeu o prêmio da crítica do Festival de Locarno é um road movie sobre desaparecimentos, inclusive do público

A crítica especializada de um dos festivais mais importantes e antigos do mundo reconheceu um certo prestígio em “Folha Seca“, com direção de fotografia e de filme do próprio Alexandre Koberidze, já bastante conhecido por “O que vemos quando olhamos para o céu?” e “Que o verão nunca mais volte”, dialoga diretamente com que o autor georgiano vem construindo.

Se vivemos em uma Sociedade Líquida como afirma Zygmunt Bauman, um conceito que o filósofo desenvolveu para descrever as condições sociais de nossa época, em que identidades, relações e valores são marcados por instabilidades e constantes mudanças, os filmes de Koberidze parecem nadar contra a maré do instantâneo e do efêmero. Com obras que passam de três horas de duração e que contam com cenas se repetindo a exaustão e ainda com filmagens de pessoas que parecem não atravessar de forma nenhuma com a narrativa, seus trabalhos também flertam muito com o experimental, em que o profissionalismo de gravar um filme é tensionado ao limite.

A narrativa é sobre Irakli, um pai, que está em busca de sua filha Lisa, uma fotógrafa esportiva, que desapareceu repentinamente, deixando uma carta pedindo para não ser encontrada. Passando alguns meses depois de seu desaparecimento, o pai resolve passar pelos vilarejos rurais das distantes zonas rurais da Geórgia. Nessa busca o acompanha o melhor amigo de Lisa, Levani. Só que tem uma questão, a presença de um narrador em off, que é onisciente, já avisa, “Levan, como muitos outros nesse filme, é invisível”. Atravessando um mar de incertezas Irakli então está em constante contato com o vazio e a falta e logo de cara, já joga para o público, qual é o seu limite de sua desaceleração? O quanto você consegue suportar do seu tédio cotidiano? Dentro da sua rotina você sabe para quantas pessoas você é invisível? Assim “Folha Seca” é um filme sobre o vazio existencial e a suportabilidade para com os desaparecimentos que podemos passar, encontrar ou sofrer ao longo da vida.

Trailer de “Folha Seca” 2025

Como podemos ver no trailer a baixa qualidade da filmagem, feita de propósito, provoca e ao mesmo deixa um certo ar de curiosidade de até onde a narrativa quer chegar e se na pequena bolha literária brasileira recente, discutimos desenfreadamente sobre os limites de forma e conteúdo de um livro, o mesmo poderíamos fazer com este filme. Qual é o propósito da forma e estética usadas pelo diretor? Paisagens, pessoas, animais e objetos se misturam em cenas pixeladas e de baixíssima resolução, em que uma metafisica do desaparecimento é construída.

Como o diretor chegou ao desfecho? Talvez poucas pessoas descubram, pois ficar até o final da sessão é um teste de resistência. A exaustão de repetições cotidianas, de paisagens e conversas que não acrescentam em nada a narrativa e parecem ser mais um encontro com o vazio apresentado por meio de um road movie, que parece despropositado e caminha para um final em que aparentemente este pai vai ao encontro do esquecimento e elaboração de um possível luto, cansa, e pouco a pouco o público vai deixando o cinema, antes que o filme acabe. Assim talvez como a Geórgia, seu país, Alexandre também teme que o público do cinema deixe de existir.

“Folha Seca” ainda terá sessões na Mostra nos dias 23/10 às 18:10 no RESERVA CULTURAL – SALA 1, no dia 26/10 às 18:00 no RESERVA CULTURAL – SALA 2 e no dia 29/10 às 14:00 na CINEMATECA SALA GRANDE OTELO.

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