Cinema

49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo – 1ª Edição do Prêmio Prisma Queer

Lucas Weglinski, um dos principais organizadores da primeira edição desse prêmio, junto ao júri, mostra que sim: corpos dissidentes, marginais e LGBTQIA+ tem potencial e podem ocupar espaços dentro do ecossistema do audiovisual e que isto também passa por potencializar a democratização do cinema

A MostraSP, por meio de sua diretora desde 2011, Renata de Almeida, vem consolidando este evento como um espaço de democratização do cinema, em que concilia iniciativas independentes, investimentos e parcerias, tanto dos setores públicos quanto privados, para reafirmar a vocação de um lugar de debate, expansão territorial de telas para além do circuito comercial, mais visibilidade para o cinema nacional e ainda ser um ambiente de resistência cultural.

A abertura da Mostra para a possibilidade de existência desse prêmio, dentro de um evento que já está consolidado no calendário do audiovisual brasileiro, e sendo uma iniciativa independente que celebra não apenas narrativas do Brasil, mas do mundo todo, tenciona e reposiciona o cinema de gênero dentro do ecossistema do audiovisual, mostrando que é mais necessário do que nunca representar as multiplicidades de vivências queer dentro das grandes telas do cinema.

Banner de divulgação do Prêmio Prisma Queer

Um dos principais festivais de cinema do mundo, o de Berlim, é um exemplo de que iniciativas como esta valorizam eventos de grande porte, que, para além de cinefilia, também se constituem como um ato político e de insurgência contra discursos conservadores de nosso tempo. O Teddy Award, que é entregue desde 1987 dentro da premiação do Festival de Berlim e hoje é considerado um dos maiores prêmios do mundo com essa temática LGBTQIA+, premiou, por exemplo, em 2018, o filme nacional “Tinta Bruta“, de Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, e este ano estavam presentes na Mostra com o filme “Ato Noturno“.

Assim, o Prisma Queer nasce como ato político e estético, evidenciando que a imagem — quando refratada pela multiplicidade de vivências dissidentes — ilumina fissuras, memórias, levando à esperança de imaginar futuros possíveis. Seu símbolo, o prisma que desdobra a luz em diversas cores, sintetiza a proposta do prêmio: o júri selecionado quer tornar visível o que historicamente foi silenciado, distorcido ou relegado às margens, mesmo que mais recentemente filmes com essas temáticas tenham chegado aos cinemas, sabemos o quanto o grande público tem resistência em consumir essas narrativas, então iniciativas como esta coloca em evidência que estes filmes existem e que tem relevância, histórica, social e técnica.

Antes dos prêmios, foi anunciada a primeira homenageada do Prisma Queer, Rita Moreira, jornalista, ativista e diretora de importantes documentários no período de transição entre a ditadura e a democratização. Ela precisou se exilar do Brasil nos anos 70 e foi para os Estados Unidos da América. Lá, teve contato com os movimentos feministas e de contracultura e, na volta ao Brasil nos anos 80, se estabeleceu como uma das principais vozes que denuncia o genocídio da população LGBTQIA+. Ao fazer essa homenagem, o prêmio estabelece um elo crucial entre memória e presente. Reconhecer Rita é reconhecer que o cinema queer brasileiro nunca nasceu no conforto — mas na urgência, na ferida social, no desejo de existir e resistir diante da violência estrutural.

Entrevista de Rita Moreira concedida em 2022 para o Museu da Pessoa

O júri do prêmio que este ano foi composto por nomes como: Pedro Henrique França, diretor e ator premiado; Chica Andrade, cineasta e atriz do programa Sundance Trans Possibilities; Viviane Ferreira, diretora e ex-presidente da Spcine; Julieta Paredes, cineasta e ativista indígena feminista; Joseph Adesunloye, diretor queer nigeriano-britânico; Alice Chiappetta, produtora e diretora, e atualmente sócia da Bahaez; e Lucas Weglinski, cineasta premiado no Mix Brasil e homenageado no Queer Porto, evidencia uma perspectiva transnacional, interseccional e política e que não se propõe apenas a ser um painel representativo, mas sim mostrar um coletivo que articula experiências de dissidências, raças, territórios e gêneros como forma de pensamento crítico na sétima arte.

A Natureza das Coisas Invisíveis“, de Rafaela Camelo, exibido no Frameline, um dos mais antigos festivais de cinema dedicado à cultura LGBT do mundo e que acontece em São Francisco, nos EUA, onde ganhou o prêmio de melhor filme de estreia, sai dessa 49ª Mostra com um grande destaque. Com o prêmio de melhor filme nacional com temática queer e prêmio da crítica de melhor filme nacional da Mostra, a obra, que será distribuída no Brasil pela Vitrine Filmes, deve chegar aos cinemas brasileiros em 27 de novembro de 2025. Fazendo parte do projeto Sessão Vitrine Petrobrás, a obra captura de forma delicada e densa as camadas do desejo, da perda e do silêncio, revelando o íntimo como campo político, em que o invisível não é ausência, mas matéria viva.

Além do prêmio e homenagem, destacamos também a edição do Prisma Queer Network, iniciativa que ocorreu dentro do V Encontro de Ideias Audiovisuais, evento este concomitante à MostraSP, que teve como diretoras e organizadoras a própria Renata de Almeida — também responsável pela Mostra — e Cristiane Passafaro Guzzi, além de contar com a produção executiva de Leila Bourdoukan, se mostrou como um amplo espaço de debate em que diversas iniciativas, tanto de setores públicos como privados, puderam mostrar de que forma visam promover e propor projetos para o futuro do ecossistema do audiovisual brasileiro.

O Prisma Queer Network, por meio de várias parcerias, selecionou 20 ideias que estão em fase de desenvolvimento ou finalização, em que puderam participar diversos artistas da comunidade LGBTQIA+ para se conectar com diversos agentes do setor por meio de um pitching. Entre essas ideias, tiveram alguns projetos que ganharam prêmios para o desenvolvimento final e que você pode acompanhar pelas redes sociais do prêmio.

Esperamos que premiações como esta, espaços que a MostraSP proporcionou e que o V Encontro de Ideias abriu as portas para que pudesse acontecer fortaleçam cada vez mais o cinema LGBTQIA+.

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