Cinema

Mix Lab – A Pista Entrevista: Anna Cazenave Cambet

Diretora de "Love Me Tender" conversou com A Pista sobre o lugar dos discursos e identidades marginalizadas socialmente em uma época de ascensão da extrema direita, ou dos discursos de esquerda que inviabilizam as pautas identitárias em nome de uma abstração da classe trabalhadora

No dia 13/11/2025, às 11h, participamos do bate-papo “Amor, perda e reinvenção nas narrativas de Anne Pauly e Anna Cazenave Cambet”. O evento ocorreu no Centro Cultural de São Paulo (CCSP) e faz parte da programação do MixLab, um evento paralelo ao festival MIX Brasil.

Este evento, que ocorre dentro da programação do festival desde 2017, se consolida como um espaço de formação de realizadores LGBTQIAPN+, oferecendo um programa que abrange desde questões técnicas e de roteiro até experimentações narrativas e formatos inovadores.

Nesta edição, o MixLab ocupa três espaços culturais de referência – CCSP, Biblioteca Mário de Andrade e Tendal da Lapa. As atividades transitam entre a reflexão poética sobre luto e memória, o debate sobre corpos dissidentes na cena contemporânea e as especificidades técnicas da produção imersiva para domo. A programação completa desse painel paralelo você pode consultar aqui.

Mesa de debate Mix Lab com a presença de André Fischer, Anna e Anna.
Registro da conversa entre Anne Pauly e Anna Cazenave Cambet (Foto Izaque – A Pista Jornal)

No debate, que antecedeu a entrevista individual, a escritora Anne Pauly, autora de “Antes Que o Mundo se Apague” (lançado no Brasil pela Editora Ercolano), e a cineasta Anna Cazenave Cambet, diretora do filme “Me Ame Com Ternura“, exploraram como o amor e a perda moldam nossas identidades e corpos, seja no adeus a um pai ou na ausência de um filho. A partir de suas obras, elas discutem temas como o luto, a memória e a reconstrução afetiva.

Durante o debate, a diretora destacou que, no processo de ser mãe, o livro de Constance Debré, do qual o filme é adaptado, chegou até ela. Como foi um livro em que ela mergulhou profundamente, seus agentes e produtores sugeriram que ela escrevesse um roteiro de filme. No entanto, em um primeiro momento, isto a assustou, pois ela temia que a obra não seria dela, que o processo de adaptar um livro faria com que sua subjetividade se perdesse. No entanto, o que ela viu enquanto o processo ia avançando foi uma redescoberta de sua identidade queer. Assim, o livro e o cinema abriram uma porta para a construção de sua identidade.

Ainda durante a fase de debate, A Pista questionou a diretora do longa sobre uma cena na parte final do filme, em que duas mulheres nuas aparecem no meio de um lago, com uma narração em off de uma lenda, fábula, de um mundo fantástico em que há castelos, maldições e que quem se atrevesse a atravessar o lago a nado seria engolido no meio dele, para um buraco onde um castelo foi submerso.

Perguntamos se esta cena estava no livro, e se não, como ela nasceu, tendo em vista que parecia ressoar toda uma corrente literária de artistas como Sylvia Plath e Silvia Federici, em que a imagem de Bruxas em meio a floresta, podem ser vistas como uma metáfora poderosa para a autonomia feminina e rebelião contra as normas sociais opressivas, Anna Cazenave Cambet, ficou feliz ao lembrarmos dessa cena, porque ela disse que é fundamental, para a autora a cena é poética e uma das mais bonitas do filme, e que apesar de ver sim paralelos com as correntes literárias, ela não estava no livro e foi pensada a partir de um recorte de sua infância, em que em alguns processos de regressão sempre voltava para uma idade em que visitava este lago e que a fábula que aparece no livro, sempre foi contada em sua comunidade, e isto lhe causava muito medo na época. Mas agora, ao colocar essas duas mulheres no centro de um lago, em que não estão nem na margem de cá nem na de lá, elas buscam um lugar outro para a manifestação de sua identidade. Elas pareciam querer superar os desafios dos discursos daqueles que procuram inviabilizar suas liberdades ou expressões de gênero.

Izaque Blanco, colunista da Pista com jaqueta de couro fazendo pergunta no debate do mixlab
Colunista Izaque (Foto: Equipe Mix Brasil)

A partir desta conversa inicial conseguimos uma entrevista individual com a diretora mediada pela equipe da Atti Comunicação e da Imovision, distribuidora do filme no Brasil, que deve chegar às salas comerciais em fevereiro.

Pensando na resposta do lago, na primeira pergunta fizemos um paralelo com o conto A Terceira Margem do Rio, do autor Guimarães Rosa. Falamos que no Brasil o conto era motivo de muitas análises e interpretações, mas que em tempos de discursos tão dicotômicos e extremistas, os discursos marginalizados e a própria comunidade queer pareciam tentar encontrar uma terceira margem para poder existir. Perguntamos então para a diretora como ela via o espaço desses discursos na sociedade contemporânea.

Ela respondeu a essa primeira pergunta algo como: “Eu faço cinema com a ideia de que as pessoas falem, que ao definir as diferenças é um risco. A sociedade patriarcal não tem ideia do monstro que construiu sobre nós. Quando eu fiz o filme eu queria pensar na comunidade, em como eles veriam e se sentiriam representados no filme, e fico mais feliz ainda quando alguém de fora da comunidade vê o filme e compreende algo do que eu queria passar. Não tenho uma identidade fixa com relação ao gênero, transito entre essas identidades possíveis, talvez procurando um lugar possível.”

Anne Pauly e Anna Cazenave Cambet no mixlab
Foto de divulgação MixLab – Equipe Mix Brasil

Indo nessa linha, na segunda pergunta, lembramos do lema da revolução francesa, Liberdade, Igualdade e Fraternidade, mas que a gente daqui, assim como no Brasil, parecia enxergar a França como um país que estava muito longe de alcançar uma igualdade ou ser fraterna para com a comunidade queer ou para com aqueles que socialmente e historicamente são excluídos, então questionamos a diretora se na opinião dela era possível enxergar um lugar para nossas identidades que vencessem as barreiras que tanto a extrema esquerda parece criar como a direita parece não reconhecer.

Ela respondeu algo como: “Na França está cada vez pior; encontrar o dinheiro ou patrocínios para fazer o filme foi muito difícil; encontrei muitos discursos misóginos e homofóbicos no caminho. Em Cannes, por exemplo, um jornalista me abordou e falou: ‘Você deve estar muito feliz porque tem dois filmes sobre mulheres lésbicas na seleção oficial. E eu fiquei surpresa, ainda há muito o que fazer; dois, três filmes ainda não são suficientes. A minha identidade vem justamente como uma saída que encontrei subjetivamente para quebrar esses binarismos que encontrava em toda parte. A terceira margem, ou terceira voz, sobre o que estamos nos referindo aqui, para mim parece muito importante. O livro de Constance Debré é justamente sobre isso.”

A diretora lembrou que Marine Le Pen e seu partido de extrema direita vem ganhando cada vez mais força e adeptos e parece ser uma questão de tempo até ela ganhar uma eleição majoritária e isto era preocupante para a cultura no geral e para nossa comunidade.

Para finalizar a conversa a informei que Constance ainda é inédita em língua portuguesa, e que acreditava que muito disso também se dava por um certo preconceito que se tem com a comunidade lésbica, e como discursos conservadores também estavam em ascensão no Brasil, mas que sim tinha tradutores do Francês para o Português aqui no Brasil que buscam formas de trazer obras dela para nosso idioma, e que talvez o filme dela seria uma porta de entrada e uma urgência maior ainda para que tanto essa obra, como outras da autora chegassem aqui, lembrei para ela que a editora Ercolano do editor Régis Mikail e responsável por trazer outra autora francesa contemporânea para uma edição brasileira, a Anne Pauly, têm em um horizonte próximo trazer outros autores contemporâneos franceses e quem sabe, porque não, Constance.

Lembrando que o filme distribuído pela Imovison chega nos cinemas brasileiros em 05/01/2026, e que para além de uma distribuidora de filmes independentes, ela também conta com uma plataforma de assinatura, o Reserva Imovision, nela há uma curadoria bastante interessante de filmes premiados ao redor dos melhores festivais de cinema do mundo, além de muitos clássicos cults que todo fã de cinema deve amar, vale a pena dar uma olhada.

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