Cinema

“Oppenheimer” de Nolan é um anticlímax com 3h de duração

“Oppenheimer”, o novo filme de Christopher Nolan

O roteiro de Oppenheimer, novo filme de Christopher Nolan, que chegou aos cinemas brasileiros no último dia 20/07, é uma adaptação do livro “Oppenheimer: O triunfo e a tragédia do Prometeu americano“, biografia escrita por Kai Bird e Martin J. Sherwin. Oppenheimer é mais conhecido por ser o pai da bomba atômica. O público conhecerá vários lados de Oppie (seu apelido entre as pessoas mais próximas): o estudante desastrado de física, o intelectual rebelde, o marido, o pai, o líder e o político.

O começo do longa é promissor: Nolan cria um retrato sensorial do estado mental de seu protagonista. Ele faz vários planos bem expressionistas que remetem à física quântica — área de estudo e obsessão de Oppie — e os contrasta com a face expressiva e sempre torturada de Cillian Murphy (Oppenheimer). Há outras cenas assim durante a obra, que refletem as mudanças interiores que o personagem principal está passando, como a sequência de Oppie no auditório após o “sucesso” do primeiro teste da bomba atômica (chamado de Trinity) e também a cena de Oppenheimer sendo interrogado por uma comissão do governo e se sentindo literalmente nu e exposto em frente de todos.

A atuação de Cillian Murphy é um dos destaques do filme. Foi uma grande escolha de elenco. O ator, que já trabalhou com Nolan em outros filmes seus, é mais conhecido por um público contemporâneo por seu papel como Thomas Shelby na série Peaky Blinders (disponível na Netflix).

Sua linguagem corporal comunica autoridade e transmite um fascínio ao mesmo tempo. Isso complementa bem a figura magnética do Oppenheimer verdadeiro, que o ator traz para as telonas. Além de um brilhante físico, ele é um intelectual sem medo de se engajar politicamente nas causas que o interessam: Oppie apoia financeiramente os republicanos e os antifascistas espanhóis que estavam envolvidos em uma guerra contra os fascistas liderados pelo general Franco e contavam com apoio da Alemanha Nazista e a Itália de Mussolini — esse confronto foi um grande prelúdio para a Segunda Guerra Mundial que estouraria em 1939. Oppenheimer também apoia a sindicalização de seus companheiros de trabalho.

Cillian Murphy durante cena de Oppenheimer (Foto: Divulgação)
Cillian Murphy durante cena de Oppenheimer (Foto: Divulgação)

Outras boas atuações no filme incluem: Matt Damon como Leslie Groves (major-general responsável pelo Projeto Manhattan e que se tornou amigo do protagonista), Benny Safdie como Edward Teller (físico brilhante e excêntrico, assim como Oppie), Emily Blunt como Kitty Oppenheimer (esposa do protagonista) e Tom Conti (ele rouba a cena nas poucas vezes em que aparece atuando junto com Cillian) como Albert Einstein. Alguns atores famosos que também participaram da produção foram: Rami Malek, Florence Pugh e Gary Oldman.

Os problemas de “Oppenheimer”

Apesar desse tratamento diferenciado ao personagem principal em partes isoladas, Christopher Nolan volta a seus velhos hábitos no decorrer do longa. Diálogos, diálogos e mais diálogos preenchem grande parte da narrativa. Os diálogos não são tão expositivos quanto nos outros filmes do diretor, são apenas cansativos. O público conhece mais o protagonista por vias indiretas do que tudo. Ouvimos que Oppie é mulherengo, por exemplo, e temos que aceitar essa informação, porque os outros personagens a tomam por verdade. A demonstração dessas características de uma maneira mais visual e cinematográfica é deixada de lado.

Toda aquela camada expressionista citada anteriormente é soterrada pela verborragia do roteiro. A hora final do filme é disparada a pior e a que melhor ilustra esse aspecto. 

Robert Downey Jr. e seu personagem Lewis Strauss acabam dividindo o protagonismo do longa — recurso que diminui o impacto do novo trabalho de Nolan. Strauss está sendo indicado a um cargo do governo e precisa ser sabatinado por uma comissão antes de ser de fato aprovado. A sabatina vira uma espécie de julgamento e o passado de Strauss em relação ao Oppenheimer é revelado. Nada disso é retratado de forma interessante para o público, apesar de ser importante como um contexto ou registro histórico. O tempo de tela de Strauss quer nos convencer da ideia de que todo o seu arco é tão importante quanto o de Oppenheimer, mas ele com certeza não é.

Oppenheimer mudou o mundo com sua invenção e o que criou tem potencial para acabar com a vida humana na Terra. Strauss é apenas um burocrata ressentido do governo, um sintoma da decadência do sistema político norte-americano. Não há simetria possível aqui. No cinema, cheguei a ouvir suspiros quando o filme voltava para a linha do tempo de Strauss e suas maquinações políticas.

O personagem de Oppenheimer tem potencial para ser, ao mesmo tempo, o protagonista e antagonista desta história — ele mesmo se debateu com o impacto de sua criação até seu último suspiro. Nolan não depositou tanta confiança na força natural do seu protagonista e recorreu a um recurso narrativo convencional: o antagonista unidimensional — representado aqui pelo personagem vivido por Robert Downey Jr. O filme não sentiria falta se vários minutos de Downey fossem cortados e passássemos mais tempo apenas com Oppie e seus dilemas morais e éticos decorrentes de seu trabalho.

O principal problema do “Oppenheimer” de Nolan é querer abordar tantos tópicos diferentes e acabar não sabendo direito o que quer ser: um estudo de personagem (da figura de Oppenheimer), um filme de “julgamento” (que não é um julgamento de fato como lembrado por todos os personagens, mas é como se fosse), um thriller político ou uma reflexão sobre moralidade (que é tratada de forma bastante rasa). Nolan tenta embarcar todas essas coisas e o resultado é anticlimático em praticamente todos os níveis. A própria explosão da bomba no teste Trinity é esquecível. Há uma construção grandiosa para aquilo que todos queremos ver e depois disso só pensamos: é só isso?

A vida de Robert Oppenheimer tem material suficiente para três horas de um filme? Com certeza. A versão do diretor britânico Christopher Nolan da vida de Oppenheimer tem a força e o fôlego suficientes para uma experiência de três horas no cinema? Acredito que não.

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