Do Realismo Capitalista ao Comunismo ácido – o legado de Mark Fisher
“Do Realismo Capitalista ao Comunismo ácido – o legado de Mark Fisher”, livro lançado pela Autonomia Literária em 2023 e escrito pelo brasileiro Antonio Galvão, é um guia prático e introdutório ao pensamento de Mark Fisher, importante teórico e crítico cultural britânico. As investigações do autor inglês se debruçam sobre temas como o capitalismo, o neoliberalismo, pós-modernismo, a crise moderna na área de saúde mental e aspectos da cultura contemporânea.
A capa do livro dá uma ideia da riqueza e a variedade de tópicos tratados por Fisher, as duas personalidades que ilustram a edição são o pensador alemão Karl Marx e o inglês Ian Curtis, vocalista da clássica banda Joy Division. O primeiro é um símbolo da política e outro da cultura, duas áreas que se atravessam na filosofia de Fisher. A conexão entre política, economia e filosofia com a cultura e a arte é uma constante nos textos de Mark Fisher, questão que o coloca como um crítico cultural diferente da maioria. Ele se preocupa com as obras e o seu contexto, não pensa em nada isoladamente.

Criado no berço da classe trabalhadora, Fisher nasceu em 1968 e faleceu recentemente em 2017, aos 48 anos de idade. O livro da Autonomia Literária começa com uma pequena biografia de Mark Fisher. O autor Antônio Galvão está interessando em apresentar ao leitor o contexto em que Fisher viveu para, a partir disto, poder entender os desdobramentos e a influência das condições sócio-políticas no desenvolvimento do pensamento do britânico.
Segundo Antonio, a obra de Fisher se divide em dois grandes eixos: o da crítica negativa – dedicado ao conceito de realismo capitalista, um dos mais famosos relacionados ao autor, apesar de ele não ter cunhado o termo – e o da crítica propositiva, que seria relacionado ao conceito de hauntologia e de comunismo ácido.
Para mim, que li apenas uma obra de Mark Fisher, também editada pela Editora Autonomia Literária, chamada “Realismo Capitalista – É mais fácil imaginar o fim do mundo do que o fim do capitalismo?” e lançada em 2020 no Brasil, houve uma facilidade maior em digerir a primeira parte do livro que trata da parte mais conhecida do pensamento do autor inglês. Galvão, inclusive, foi o responsável por escrever a orelha deste livro. De forma resumida, o conceito de realismo capitalista representaria a ideia dominante de que não há outro sistema político e econômico viável além do capitalismo.
A dificuldade de assimilação da leitura foi um pouco maior quando Galvão trata da “hauntologia“, um conceito muito mais complexo. O autor começa já falando da dificuldade em traduzir o termo, em escolher a palavra que melhor representaria esta ideia que não é tão clara assim para quem não é tão familiarizado com os autores que ele mesmo é familiarizado. Já o comunismo ácido seria um conceito que Fisher ainda estava desenvolvendo pouco antes de morrer.
Um fator que chamou positivamente a atenção na obra foi a utilização de autores brasileiros para ajudar a explicar e contextualizar o pensamento de Fisher. Pensadores contemporâneos e mais conhecidos do público brasileiro como Maria Rita Kehl e Christian Dunker foram referenciados no texto. Esta foi uma escolha interessante do Antônio Galvão, que de certa forma emula o estilo de Fisher de também usar autores de todos os tipos para complementar seu ponto de vista. Uma crítica frequente ao pensamento de Fisher é o uso de referências exclusivas do campo da esquerda europeia, principalmente a esquerda inglesa, seu país de origem. Então, esse acréscimo de autores da nossa nacionalidade é um aditivo interessante. Tanto Dunker quanto Kehl são psicanalistas e pensadores que têm a saúde mental como um dos eixos principais de sua pesquisa, um tema muito caro também ao Mark Fisher. Fisher também estudava sobre o mal-estar de nossa época e a psicanálise influenciou muito seu pensamento. Além de Kehl e Dunker, Galvão também referencia a economista Maria Conceição Tavares (que faleceu recentemente), o filósofo Vladimir Safatle e a filósofa Marilena Chauí.
A leitura de “Do Realismo Capitalista ao Comunismo ácido – o legado de Mark Fisher” não é uma leitura fácil, assim como a leitura dos textos originais de Mark Fisher – apesar de sua pegada pop e seu estilo que remete a escrita de um blog. Entretanto, o conteúdo do pensamento de Fisher vale o desafio de se encarar esta obra. Os temas tratados são muito atuais e urgentes na sociedade contemporânea. A crise de saúde mental que acompanha o modo de produção capitalista em seu atual modelo não parece ir a lugar algum. Ler o livro de Galvão e depois ir direto à fonte original com os textos de Fisher pode ser um bom começo para pensarmos em soluções para estes problemas, ou pelo menos formularmos as perguntas certas sobre estas questões.
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