Literatura

Resenha: bell hooks – Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas

"Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas" oferece uma perspectiva instigante sobre cinema que força o leitor a olhar de uma forma diferente ao cinema hollywoodiano

O livro “Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas” de bell hooks é uma tradução de Reel to Real: Race, Class and Sex at the Movies, lançado nos EUA em 1996. Esta edição da Elefante, que foi lançada em 2023, escolheu excluir quatro ensaios da versão original por já ter publicado estes textos em outros livros da bell hooks que a própria Editora já lançou. A tradução foi feita por Natalia Engler. O prefácio é de Joyce Prado.

A obra é uma compilação de críticas de filmes dos anos 90 e também é acompanhada por entrevistas da autora com diretores e diretoras como Charles Burnett, Wayne Wang, Camille Billops e Arthur Jafa.

Entre os trabalhos discutidos, bell redigiu críticas de filmes considerados clássicos nos dias de hoje como “Pulp Fiction” (1994) de Quentin Tarantino, “Kids” (1995) de Larry Clark e “Crooklyn” (1994) de Spike Lee. O próprio Spike Lee é um dos cineastas mais citados neste livro: “Ela Quer Tudo” (1986) e “Malcolm X” (1992) são mencionados e discutidos pela autora. Resumindo de uma forma geral, ela fala das contradições do cinema de Spike. A autora mostra como o cineasta do Brooklyn pode ter uma visão libertadora em certos aspectos e ao mesmo tempo também reproduzir aspectos da ideologia dominante. Ela elogia o já citado “Crooklyn” e também “Garota 6” (1996) – o texto que abre o livro é uma crítica deste longa, que bel hooks parece ter gostado bastante, um trabalho menos conhecido na filmografia de Lee. 

 “A magia de Lee como cineasta tem se expressado por meio da construção cinemática de um espaço estético em que imagens descolonizadas (ou seja, visões de negritude que desafiam e se opõem a estereótipos racistas) são representados de forma amorosa. Entretanto, essa intervenção radical é muitas vezes enquadrada por uma narrativa dominante convencional e estruturas de representação que reinscrevem à força normas estereotipadas”. (página 78)

Esse trecho emblemático do texto “Crooklyn – Uma Família de Pernas pro Ar: a negação da morte” mostra como a crítica de hooks, assim como toda boa crítica de cinema ou arte em geral, não se preocupa apenas com o aspecto temático de uma obra, mas também com seu aspecto formal, e como estes dois lados se retroalimentam.

bel hooks (Foto: Divulgação)
bell hooks (Foto: KARJEAN LEVINE / GETTY)

Em todos os textos do volume há a presença forte de uma crítica contundente ao patriarcado, ao machismo, ao racismo, ao supremacismo branco e ao capitalismo norte-americano.

A autora defende a possibilidade da existência de um outro tipo de cinema negro que possa ser mais experimental e livre. Esta posição fica mais evidente nas entrevistas presentes no final do livro, principalmente nas conversas realizadas com os cineastas Charles Burnett (diretor do clássico “O Matador de Ovelhas” de 1978 e alguém que deveria ser mais reverenciado, segundo a autora, por sua importância para a história do cinema negro) e Arthur Jafa (diretor de fotografia que trabalhou com nomes como o próprio Burnett, além de Spike Lee e Julie Dash – uma das poucas diretoras mencionadas no livro). Ambas as entrevistas falam sobre a história e os desafios do cinema negro, o cinema independente, a importância da crítica, liberdade criativa, racismo etc.

Incluídas no final do livro, as entrevistas são um destaque à parte e algumas delas são até mais impactantes que os textos corridos presentes na obra. Elas não são aquelas tradicionais perguntas e respostas que simplesmente levantam uma questão de forma genérica para o entrevistado responder. Estas lembram uma conversa, e se formos pensar nos termos de hoje, parecem com um entrevistador de podcast tendo uma conversa informal com seu convidado. A bell hooks se coloca nas perguntas e não tem medo de criticar a própria obra do entrevistado a sua frente.

O livro “Cinema vivido: raça, classe e sexo nas telas” oferece uma perspectiva instigante sobre cinema e crítica de cinema que força o leitor a olhar de uma forma diferente ao cinema hollywoodiano e ao seu viés ideológico. Não faltam também apontamentos contundentes sobre questões de raça e gênero. Você não precisa concordar com todos os pontos de bell hooks para enxergar valor em seus questionamentos. A leitura flui de uma forma leve, apesar das afirmações assertivas da autora.

Sobre a autora

Nascida em 1952 no Kentucky e falecida em 2021, bell hooks – pseudônimo de Gloria Jean Watkins – foi uma autora, professora, teórica feminista, ativista antirracista, artista e crítica cultural.

No Brasil e pela Editora Elefante também foram publicadas as seguintes obras da autora: “Tudo sobre o amor”, “Cultura fora da lei”, “Pertencimento”, “Escrever além da raça”, “A gente é da hora”, “Ensinando comunidade”, “Ensinando pensamento crítico” e “Anseios”.

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