“Especulações Cinematográficas”, o segundo livro do diretor Quentin Tarantino
“Especulações Cinematográficas“, novo livro de Quentin Tarantino, é uma seleção de textos sobre filmes que marcaram a vida do cineasta e também um retrato de várias faces do famoso diretor responsável por clássicos do cinema mundial, como “Pulp Fiction” (1994), “Kill Bill” (2003), “Bastardos Inglórios” (2009) e “Django Livre” (2012). Nesta compilação lançada no Brasil em 2023, o público conhece o Tarantino crítico, o Tarantino cinéfilo, o Tarantino historiador do cinema, o Tarantino jornalista e o Tarantino enquanto jovem. Este é o seu segundo livro, sendo o primeiro “Era Uma Vez em Hollywood“, versão literária do filme homônimo de 2019. Ambos foram lançados pela Editora Intrínseca.
Os textos reunidos no livro são majoritariamente sobre filmes do cinema norte-americano dos anos 70. A obra é uma grande homenagem não só aos filmes, mas também a este período que coincidiu com o da sua juventude. Quase tudo relacionado ao cinema é recordado com nostalgia: os cinemas de rua e drive-in que Quentin frequentava, os críticos (Pauline Kael, Kevin Thomas) e as revistas da época que ele adorava ler, assim como os atores, produtores, diretores e roteiristas que admirava. Tarantino teve contato com grande parte dessas pessoas e quando está falando de um determinado filme, é comum dizer que perguntou para o roteirista ou o diretor daquele longa sobre o motivo de uma cena específica. De forma recorrente nos textos aparecem aspas de amigos do meio cinematográfico, como Paul Schrader, Brian de Palma, Martin Scorsese ou Peter Bogdanovich. Nós nos sentimos íntimos daquele universo e seus personagens, assim como o autor.
Esta leitura lembra muito o ótimo “Como a Geração Sexo, Drogas e Rock n’ Roll Salvou Hollywood” de Peter Biskind, que também foi lançado no Brasil pela Editora Intrínseca. Parte da proposta dos dois é semelhante e o próprio Quentin chega a citar este trabalho. O espírito dos anos 70 e sua influência no pensamento e no tipo de cinema feito pela Nova Hollywood (movimento cinematográfico de renovação do cinema norte-americano que operou entre o final dos anos 60 e os anos 70) são dissecados de forma brilhante por ambos.

Entre os filmes mais conhecidos que são citados em “Especulações Cinematográficas“, estão clássicos como “Perseguidor Implacável” (1971), Taxi Driver” (1976), “Rocky” (1976) e “Alcatraz” (1979), mas Tarantino, como um bom cinéfilo, também fala de longas menos conhecidos e que, segundo ele, deveriam ser mais valorizados. Exemplos disto são os textos dedicados a dois filmes do subestimado diretor John Flynn: “A Quadrilha” (1973) e “A Outra Face da Violência” (1977). Tarantino gostou tanto dos filmes de Flynn quando assistiu, que ligou para todos os “John Flynn” que encontrou na lista telefônica, até encontrar o diretor e poder conversar com ele. Esta é uma das muitas histórias pessoais que o diretor compartilha entre as crônicas dos filmes.
Todos os longas citados refletem o gosto pessoal e o estilo de cinema que o autor se consagrou por fazer: a violência está presente de forma explícita na maioria das obras. Filmes sobre vingança são alguns dos seus favoritos e estão presentes na compilação de textos, assim como diversas menções elogiosas (e também críticas) a cineastas como Don Siegel e Sam Peckinpah. Atores como Steve McQueen e Clint Eastwood, que foram símbolos de sua época, também são homenageados. Além de filmes da Nova Hollywood, também são recorrentes as referências a filmes do gênero Blaxploitation, que influenciaram muito a violência estilizada que Tarantino adota nos seus trabalhos.
Tarantino fala pouco da própria filmografia, então não espere isso durante a leitura. Apesar disso, há muito de autobiográfico neste volume. QT conta episódios importantes de sua infância e adolescência que foram essenciais para seu posterior desenvolvimento como roteirista e cineasta. As experiências que o marcaram e despertaram seu desejo de se tornar um cineasta são a matéria-prima principal deste livro. É curioso como alguns longas parecem servir como um mero pretexto para o autor falar de sua própria vida. Quentin consegue ser interessante em ambos os casos: quando está se autobiografando e também quando está falando de um filme. Às vezes, ele faz as duas coisas ao mesmo tempo e o resultado é uma leitura muito fluída e que entretém, além de informar.
Outro detalhe muito interessante é o olhar perspicaz que Quentin tem ao analisar a experiência de um público no cinema. No texto sobre “Perseguidor Implacável”, ele lembra de uma risada e um comentário específico de um espectador durante determinada cena do longa que capturava os preconceitos do seu tempo. Impressiona também a análise que ele faz da ideologia política por trás de determinados filmes e em cenas específicas também – como nos longas da franquia “Dirty Harry“. Este lado do Tarantino, que também presta atenção ao aspecto político das coisas, me pareceu inédito e surpreendente.
Além de diretor, Tarantino é um roteirista de mão cheia e nota-se seu talento para a escrita neste livro. Sua escrita é visual, envolve emocionalmente o leitor, é coloquial, informativa e engraçada ao mesmo tempo – assim como seus filmes. Ele tem intimidade com as palavras. Não há um linguajar técnico em nenhum dos textos reunidos neste volume.
O que talvez possa se destacar negativamente nesta edição é que os filmes mencionados são majoritariamente norte-americanos. As referências a outras escolas cinematográficas são mínimas, apesar de Quentin ser um grande conhecedor do cinema mundial.
“Especulações Cinematográficas” é um livro que mistura diversos formatos de textos: crônicas, ensaios, críticas de cinema e registros autobiográficos. Não apenas fãs de Quentin Tarantino vão curtir a experiência proposta por esta obra, mas também todos os apreciadores da sétima arte e de uma história bem contada por meio de palavras que formam imagens na cabeça do leitor.
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Esta crítica revela “Especulações Cinematográficas” como uma porta de entrada acessível ao universo de Tarantino e ao cinema dos anos 70. Para um não-cinéfilo como eu, se apresenta como uma rica oportunidade de compreender mais profundamente o trabalho do diretor e de suas influências cinematográficas.
Obrigado pela dica!
João Carlos CorrêaDiretor Cultural da Fundação Memorial da América Latina
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Eu que agradeço pelo comentário, João. Vale muito a pena ler este livro e assistir aos filmes citados para conhecer um pouco mais sobre este período que foi um dos mais importantes da história do cinema norte-americano.
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