O cinema de Eduardo Coutinho
Eduardo Coutinho (1933-2014) nasceu em São Paulo, mas viveu a maior parte da sua vida no Rio de Janeiro. Grande parte de seus filmes se passa na metrópole carioca. Ele dirigiu 13 longas documentários, além de dois longas de ficção e mais alguns curtas documentários. Antes do cinema, o diretor e roteirista trabalhou no jornalismo escrito – área em que produzia reportagens e críticas de cinema – e também no jornalismo televisivo – principalmente no Globo Repórter, tradicional programa da Rede Globo. Esta experiência no jornalismo influenciou muito a carreira de Coutinho.
Os temas dos seus documentários variam, mas os elementos que se sobressaem em todos eles são o discurso falado – a seleção de múltiplas vozes do mais variado grupo de pessoas – e a presença de Coutinho por meio de sua voz e sua imagem. Eduardo é um mestre em captar as melhores histórias das pessoas, principalmente entre as camadas mais desprivilegiadas da população brasileira, como as populações negras e periféricas.
Entre suas obras mais conhecidas estão vários clássicos do cinema nacional, como “Cabra Marcado Para Morrer” (1984), “Edifício Master” (2002), “O Fim e o Princípio” (2006), “Jogo de Cena” (2007) e “As Canções” (2011). Segundo o site IMDB, ele ganhou 41 prêmios e ainda recebeu 25 indicações. Seu trabalho é reconhecido a nível nacional e internacional. Não há como falar da história do documentário no Brasil sem mencionar o nome de Coutinho.
Um exemplo da abordagem criativa e multifacetada de Coutinho está em “Jogo de Cena” (2007), dirigido e roteirizado por ele.

Jogo de Cena
A primeira coisa que o espectador vê quando o filme começa é uma mensagem anunciando a procura de atrizes dispostas a participar de um documentário. Estas atrizes desconhecidas e conhecidas se apresentam a Coutinho para contar suas histórias de vida. O diretor, como de costume, faz perguntas de cunho pessoal a estes personagens e as respostas contam capítulos importantes das histórias de vida de cada uma.
O grande diferencial na abordagem de Coutinho para este novo formato de documentário é alternar estes relatos feitos por pessoas desconhecidas com outros contados por atrizes mais conhecidas do público, como Marília Pêra, Fernanda Torres e Andréa Beltrão, e, desta forma, fazer o espectador questionar a veracidade daquele discurso que está sendo vinculado. As mulheres têm vivências, origens, idades e aparências diferentes. Muitas das falas que inicialmente são pronunciadas por uma pessoa, em outra cena, são pronunciadas por outras, e todas estas pessoas parecem estar falando a verdade de uma forma ou de outra. Esta escolha de Coutinho parece colocar o conceito de documentário em cheque. O espectador não está apenas vendo pessoas simplesmente falando suas histórias, mas atrizes querendo lhe “manipular” para que ele acredite nas emoções que elas querem passar.
A cena inicial dá a ideia de que este é um documentário simplesmente porque diz que é. A mensagem impressa em um cartaz colado na parede diz que estão contratando atrizes para um filme documentário e o público assume que este é o filme ao qual está assistindo. Além do conceito de documentário parecer estar em disputa em “Jogo de Cena”, a arte da atuação e sua veracidade também estão em evidência e servem como um material farto para a reflexão deste estilo de fazer cinema, que Coutinho desenvolveu durante a sua longa carreira.
Durante grande parte do longa, as personagens estão de costas para um teatro vazio. Os enquadramentos não variam muito: às vezes, um plano aberto enquadra a atriz e o teatro vazio, em outras ocasiões há um plano fechado do rosto da atriz. Alguns closes sutis são utilizados em momentos estratégicos que também denunciam a presença da câmera e do cineasta – e seu papel de manipulador das emoções do espectador, cúmplice das atrizes nesta função. O filme não é bonito esteticamente em sua fotografia, mas comove assim mesmo, não tanto pela montagem, mas pelo texto e pela potência das atuações.
Coutinho, como costuma ser a regra nos seus documentários, aparece fisicamente durante a filmagem do seu trabalho, mas a sua presença se impõe mais por sua voz inconfundível, rouca e característica de fumante, que interpela aquelas pessoas, tentando tirar o máximo de cada relato. Naturalmente, há algo de documental em quase todos os tipos de filmes. Em “Jogo de Cena“ são documentados os modos de falar específicos das pessoas filmadas, suas expressões e as gírias próprias do tempo em que a obra foi produzida. As roupas utilizadas também contam uma história por si só. O passado, os costumes e os credos também influenciam muito no discurso produzido pelas personagens.
Eduardo Coutinho e seu cinema borram os limites da ficção e da não ficção. “Jogo de Cena“ mostra o motivo pelo qual Eduardo Coutinho não é apenas um dos maiores representantes da cena documental brasileira, mas também um dos maiores nomes do cinema nacional. O cinema e seus meios de manipulação do espectador são evidenciados de uma forma inédita por ele e o estudo dos métodos utilizados neste longa podem ajudar a começar a entender o fascínio que a mágica do cinema e a atuação provocam em qualquer um.
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