Luiz Gonzaga – Légua Tirana
A primeira cena de “Luiz Gonzaga – Légua Tirana” (2024) mostra Gonzagão em 1989, ano em que morreu, no Recife, refletindo sobre o fato de que vai morrer. A partir daí, nós ouvimos sua voz forte e ele começa a rememorar sua vida. É como se o público fosse convidado para entrar na sua mente. Gonzaga conta ao espectador que ele pensa o mundo como se fosse um palco, um espetáculo, um exercício de imaginação, e o longa faz justiça a esta visão de mundo. O filme não está interessado em apenas recriar episódios famosos da vida do artista, mas em criar uma atmosfera quase onírica em que sonho e realidade parecem se misturar. Como dito por um dos personagens da história, o querer se tornar um artista já é parte do se tornar um artista, e por isso a imaginação e a “vida real” acabam sempre andando lado a lado. O longa, que é dirigido por Diogo Fontes e Marcos Carvalho, é um recorte lírico e poético do universo e do imaginário do rei do baião.
A trilha sonora e a fotografia são dois destaques da produção. Ambos foram feitos sob medida para serem desfrutados em plenitude dentro de uma sala de cinema. Os diretores fazem um ótimo uso da profundidade de campo para retratar toda essa beleza e a magnitude do sertão nordestino. A riqueza da música nordestina também é homenageada, como não poderia deixar de ser em um trabalho audiovisual sobre um dos maiores artistas da história da música brasileira.

O filme apresenta três fases da vida de Gonzaga: ele como uma criança (vivido por Kayro Oliveira), depois um jovem (Wellington Lugo) e, no final, um adulto (Chambinho do Acordeom) – quando já está consagrado como artista. Os três atores têm bons desempenhos, mas a parte mais marcante, com certeza, é a da infância de Luiz Gonzaga. Isso se deve à performance do ator mirim que interpretou Gonzaga e também é um prodígio na sanfona. A juventude e a fase adulta de Luiz são retratadas quase como de relance e o público fica com um gostinho de quero mais. Além de Gonzagão, outro personagem de destaque é o de seu pai Januário, que também era músico e incentivava o filho a tocar. A sintonia dos dois atores que interpretam pai e filho é inegável. É difícil não lembrar da composição “Respeita Januário“, homenagem que ele fez ao seu velho, nestas cenas. Seu talento também era venerado por todos da região e o filme faz questão de ressaltar isto. Quase todos os personagens esboçam uma expressão de admiração quando ouvem que o pai de Luiz é o grande Januário. Sobre a mãe de Gonzagão, não conhecemos muita coisa além do papel que ela desempenha como matriarca. Muitas vezes, ela é colocada como uma fonte de conflito, já que não quer que o filho vire artista. Apesar disto, a personagem não é vilanizada pelo roteiro e podemos entender os motivos que causam sua apreensão em relação aos destinos do filho, mesmo que discordemos.
“Luiz Gonzaga – Légua Tirana“ não está tão preocupado em desenvolver muito os seus personagens. É como se os personagens servissem mais como parte da ambientação, uma extensão daquele lugar – real e metafórico – que o filme quer retratar. Um exemplo é o personagem do Assum Preto (uma ave famosa no Nordeste que Gonzaga já homenageou em forma de música), que neste universo é uma pessoa negra vivida pelo Mestre Bule-Bule. As paisagens do Nordeste também são personagens e a fotografia ressalta isso. A fauna e a flora do Nordeste também são homenageadas pelos diretores, dois elementos que também fazem parte do grande mosaico que compõe a obra de Gonzagão. O final deixa um pouco a desejar, parece algo batido em contraste com a linguagem mais livre que o filme propunha, mas a obra continua sendo um grande mergulho no imaginário de Gonzagão.
“Luiz Gonzaga – Légua Tirana” não é uma biografia tradicional. O longa é uma bela homenagem e uma celebração à vida e à obra de Luiz Gonzaga, assim como ao Nordeste, sua cultura e seus modo de ver e viver. A produção chega aos cinemas em 21 de agosto.
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