
Um dos eventos de cinema mais aguardados do ano no Brasil finalmente chegou. Entre os dias 16 e 30 de Outubro poderemos escolher entre mais de 370 filmes, de 80 países diferentes e em 52 espaços da cidade de São Paulo. Com sessões que passam por obras super aguardadas e que contarão com ingressos disputadíssimos, outras com títulos premiados, mas ainda desconhecidos do grande público e que podem ser uma grata surpresa, indo para escolhas menos óbvias de novos realizadores apresentados na primeira semana e votados pelo público geral da Mostra que indicará para o júri os filmes a serem vistos e que concorrerão ao prêmio Troféu Bandeira Paulista, indo para além disso com uma seleção de filmes com títulos restaurados, de homenagem, de realidade virtual e ainda voltados para o público infantil com a realização da 2ª Mostrinha. O festival desse ano promete ser uma das edições de maior repercussão, inclusive com filmes em circuito online dentro de plataformas Itaú Cultural Play, Sesc Digital e SPcine Play.
Um dos destaques desse ano é a homenagem e a participação do escritor Valter Hugo Mãe. Ele terá a exibição de 2 filmes que dialogam com sua obra e vida, além da participação de uma masterclass no dia 25 de outubro, que encerra o V Encontro de Ideias Audiovisuais. O evento que acontece na Sala Petrobrás da Cinemateca Brasileira entre os dias 22 e 25 de outubro contará com a abertura do roteirista Charlie Kaufman, vencedor do Oscar 2005 com o filme “Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças“, e será encerrado por Valter Hugo Mãe depois da exibição do documentário “De Lugar Nenhum“. A obra do diretor português Miguel Gonçalves Mendes acompanha, ao longo de sete anos, o processo de escrita do livro “A Desumanização“. O cineasta viaja com o escritor entre Islândia, Brasil, Portugal, Colômbia e Macau e produz um retrato sobre solidão, perda e pertencimento. O filme integra o projeto “O Sentido da Vida”, um conjunto de dez longas-metragens e uma série, em que somos convidados a refletir sobre a singularidade da humanidade e que irá sendo lançado nos próximos anos.
“De Lugar Nenhum” terá, neste encerramento do fórum de ideias sobre o audiovisual, sua estreia mundial. O evento começa com a exibição do filme às 19h40 e vai até as 22h com a conversa entre Valter Hugo Mãe, o diretor, a cartunista Laerte Coutinho e a apresentadora Roberta Martinelli. Além deste documentário, o festival também contará com a obra da Netflix “O Filho de Mil Homens“, com estreia mundial também na Mostra e com exibições nos dias 27 e 28 de outubro, na Cinemateca e no Cinesesc. O filme é a primeira adaptação de uma das obras literárias do escritor português, que é um dos mais cultuados da literatura contemporânea. Com direção e roteiro de Daniel Rezende, o longa é protagonizado por Rodrigo Santoro.
Valter Hugo Mãe também assina o pôster da Mostra deste ano, que, junto com a vinheta, evidencia sua produção nas artes plásticas. Renata de Almeida, diretora da Mostra, se mostrou impressionada quando viu pela primeira vez a obra, por associá-la diretamente com o próprio processo de curadoria do evento: “um mar de filmes, com algumas pérolas”.
Na festa para convidados e a imprensa, o pôster e a vinheta foram apresentados e ainda tivemos acesso em primeira mão ao longa “Sirât” e ao curta “Como Fotografar Um Fantasma“, do premiadíssimo diretor e roteirista Charlie Kaufman. O filme acompanha a história de dois jovens que andam pelas ruas da Grécia em uma espécie de limiar entre a vida e a morte. Bastante sensível, o curta dialoga diretamente com outros trabalhos de Charlie Kaufman, em uma espécie de metafísica e expansão da consciência.
Os patrocinadores, apoiadores e realizadores do festival puderam falar sobre o evento e suas expectativas. A Pista conseguiu falar com Lyara Oliveira, atual presidente da SPCINE, com 10 anos de atuação, a empresa de cinema e audiovisual da prefeitura de São Paulo vem se destacando como uma das principais do setor nos últimos anos. Lyara falou sobre as 32 salas públicas do circuito SPCine e da importância de expansão do circuito da Mostra. Com salas principalmente em bairros não atendidos por salas de cinema comerciais, a empresa levará uma programação intensa de 29 filmes, principalmente os da 2ª Mostrinha, de forma gratuita, para um público diverso e que dificilmente se desloca para os cinemas independentes e de rua, onde os principais filmes da Mostra aparecem.
A presidente falou ainda que um levantamento foi feito pela equipe técnica da SPcine e se constatou que, em 11 filmes da Mostra, a cidade de São Paulo aparece como plano de fundo e isto colocava a cidade no centro do cenário cinematográfico brasileiro contemporâneo. Em um período em que o cinema nacional ganha novo fôlego, a diretora argumenta que “democratizar o acesso ao cinema é garantir mais telas para o cinema nacional“.

Outro destaque do evento deste ano é a realização da primeira edição do “Prêmio Prisma Queer”, iniciativa independente que celebra e fomenta a produção audiovisual LGBTQIA+ no Brasil e no mundo e que tem como um de seus organizadores neste primeiro ano Lucas Weglinski. Além da organização do prêmio, ele também estará presente no Work in Progress, com o longa da Descoloniza Filmes “A Noite é uma Farsa“. O título ainda está em fase de finalização do projeto, mas já chama atenção, sendo selecionado para este encontro que contará com a presença de uma das pessoas mais influentes de Hollywood, Charlie Kaufman. O WIP é uma das iniciativas do V Encontro de Ideias Audiovisuais e visa criar uma vitrine estratégica para cineastas conectarem suas ideias com programadores de festivais, agentes de vendas internacionais, distribuidoras, entre outros. A realização do WIP acontecerá em parceria com o Cinépolis Jardim Pamplona, de 22 a 25 de outubro.
O prêmio simbolizado pelo prisma, sendo um símbolo geométrico refratário à luz em múltiplas cores, busca representar a pluralidade de olhares e narrativas que o cinema queer traz para a tela. A premiação abrange melhor longa-metragem de ficção LGBTQIA+ nacional e internacional, melhor documentário e o troféu de homenagem do ano. A primeira homenageada será a cineasta Rita Moreira, reconhecida por seus documentários dos anos 1980 que denunciaram a violência contra a população LGBTQIA+. Há 28 filmes com essa temática na mostra, e sua programação completa pode ser consultada no site da mostra.
O júri deste prêmio não está ligado ao júri do festival e é composto por nomes importantes da cena queer contemporânea: Pedro Henrique França, diretor e ator premiado; Chica Andrade, cineasta e atriz do programa Sundance Trans Possibilities; Viviane Ferreira, diretora e ex-presidente da Spcine; Julieta Paredes, cineasta e ativista indígena feminista; Joseph Adesunloye, diretor queer nigeriano-britânico; Alice Chiappetta, produtora e diretora, sócia da produtora queer Bahaez; e Lucas Weglinski, cineasta premiado no Mix Brasil e homenageado no Queer Porto.
E se o ano passado o Brasil fez uma campanha fortíssima por “Eu Ainda Estou Aqui“, que tiveram ingressos voando em segundos nos app da Mostra e site da Velox Tickets, este ano não deve ser diferente com o filme de Kléber Mendonça Filho – “O Agente Secreto”. Com apenas quatro sessões especiais, nos dias 24 e 25, 28 e 29, a procura deve ser intensa, mas o longa estreia logo na sequência nos cinemas comerciais, em 6 de novembro, então recomendaríamos ver outros trabalhos que podem ter mais dificuldades para chegar logo no circuito brasileiro.

Entre os filmes com sessões que aparecem na competição de novos realizadores está o longa dirigido e roteirizado por Matheus Marchetti: “Labirinto dos Garotos Perdidos” que terá a última sessão de forma gratuita neste domingo, 19/10, ás 13h na sala de cinema do Instituto Moreira Salles, na Paulista. A obra que também tem uma temática LGBTQIA+ fala sobre um garoto do interior que se perde na madrugada da cidade grande, passando por uma série de encontros sexuais progressivamente bizarros, enquanto um assassino espreita pelas sombras da metrópole e aparenta ser provocativo e transgressor, mas se você quer conhecer obras independentes e que nascem pelo amor ao cinema este parece ser um convite ao absurdo e inesperado, em que a sexualidade aparece em meio a uma narrativa que ao mesmo tempo sabe ousar, mas se prende as amarras do gênero.

Se você é daqueles que quer ver os possíveis indicados ao Oscar antes de todo mundo, além do já citado filme de Kléber, a Mostra também contará com exibições de “Bugonia“, “Frankenstein“, “Springsteen: Salve-me do Desconhecido” e “Jay Kelly“. Considerado imperdível para A Pista, está “Foi Apenas um Acidente (França)” — dirigido por Jafar Panahi, que receberá o prêmio humanidade pessoalmente na Mostra e terá sessões 27/10, às 18h30, na Cinemateca, Sala Petrobras; 28/10, às 17h15, na Cultura Artística; e 29/10, às 20h40, na Reserva Cultural 1 — e também o filme “Ato Noturno”, com direção de Filipe Matzembacher e Marcio Reolon, participando da Mostra Brasil.
A obra, que foi gravada em Porto Alegre, teve exibições no Festival de Berlim, no Frameline, que faz parte do 63rd New York Film Festival, e no Festival do Rio, onde foi multipremiada. Os diretores já são bem conhecidos na cena queer brasileira por causa do filme “Tinta Bruta”. Participa do filme ainda o multiartista Thiago Pethit, na produção de trilha sonora, que também tem um trabalho marcante no som de “Vento Seco”. O filme fala sobre um ator ambicioso e um político em ascensão que vivem um caso em sigilo e, juntos, descobrem ter fetiche por sexo em lugares públicos. À medida que se aproximam da fama, mais intenso se torna o desejo de se colocarem em risco. O filme deve ser um dos destaques com essa temática queer no festival e terá sessões nos dias 23/10, às 21:15 no RESERVA CULTURAL – SALA 2 e 27/10 às 15:40 no ESPAÇO PETROBRAS DE CINEMA – SALA 3.
Na competição de novos diretores, A Pista destaca ainda o filme de Alex Burunova, “Satisfação”. O filme é o primeiro longa da diretora e foi exibido no SXSW e Festival de Varsóvia. A obra é um drama psicológico em que desvendamos o mistério por trás do relacionamento de Lola e Phillip, dois jovens compositores britânicos.
Durante uma viagem a uma ilha isolada da Grécia, Lola conhece Elena em uma praia de nudismo e passa a se aproximar dela, potencializando a tensão no seu relacionamento. Aos poucos, a verdade sobre Lola e Phillip se revela, obrigando Lola a encarar a parte mais sombria de seu passado, sendo mais um dos filmes com essa temática queer do festival.
Assim esperamos ter demonstrando um panorama geral da Mostra e evidenciar que além de plural e de dar voz a muitos grupos marginalizados, o festival também se estabelece de vez como uma potência de finalização de ideias, networking, troca de experiências pelo amor ao cinema, além de demostrar que um dos principais ganhos para a cidade e para o Brasil a partir deste festival continua sendo a certeza do investimento na democratização do cinema e uma vitrine possível para aqueles que ama fazer cinema autoral e muitos dos filmes que por aqui passam depois ganham o mundo, sabemos que ainda é necessário mais investimento tanto do setor público quanto privado para garantir mais tempo de tela e sessões para o cinema nacional, mas festivais como esse demonstram que isso já é possível e que temos um público disposto a consumir esse tipo de cinema.
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Caraca, que texto bom! Me pergunto o quanto a “sétima arte” pode articular-se, atingir aquelas pessoas da “periferia” do capitalismo. Entendo que esses movimentos de ampliação de acesso, de democratização das telas sejam um desses movimentos, mas pergunto-me o quanto, socialmente, precisaríamos de incentivo publicitário e financeiro para atingir não apenas a “elite”. Seria possível ampliar a sétima arte? Fazer dela um vocabulário mais acessível e acessado? Adorei o texto.
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Eu não sei responder essa pergunta, essa é a verdade. Porque acho que dentro do ecossistema do audiovisual esta é uma pergunta que todos buscam responder, como ampliar o público do cinema no Brasil, como levar salas para regiões que não tem o circuito comercial, como garantir mais tempo de tela para o cinema nacional dentro do circuito comercial, como fazer campanhas de incentivo para o circuito comercial não ser tão excludente, como o cinema de arte, tão importante para a formação da nossa identidade cultural e política, poderia chegar em mais pessoas? Acho que são todas perguntas muito válidas, que inclusive dialoga com outro texto que já lançamos aqui no nosso site 49º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo e a dimensão social do cinema – a democratização como a principal aposta de Renata de Almeida na busca por apoios e patrocínios – A Pista,
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Muito bom.
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Obrigado.
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