Cinema

“Brincando com fogo”: como a extrema-direita destrói núcleos familiares

Novo filme das irmãs Delphine Coulin e Muriel Coulin demonstra preocupação com a infiltração silenciosa de ideologias neofascistas na mente dos jovens

Brincando com fogo

Brincando com fogo“, novo filme das irmãs Delphine Coulin e Muriel Coulin, é uma adaptação do primeiro romance de  Laurent Petitmangin, chamado “Ce qu’il faut de nuit” (no Brasil, foi publicado pela editora Bertrand sob o título “Quando a Noite Cai”). Nele, vemos a dinâmica e a derrocada da relação familiar entre um pai viúvo (Pierre, interpretado por Vincent Lindon) e seus dois filhos (Felix “Fus”, interpretado por Benjamin Voisin e Louis, interpretado por Stefan Crepon).

Na trama, Louis, o irmão mais novo, vislumbra um futuro promissor a partir do momento em que tem a oportunidade de estudar ciência política na Université de Sorbonne, enquanto Fus, seu irmão mais velho, se dedica aos esportes. No entanto, quando Fus passa a se envolver com grupos de extrema-direita, desvia dos seus interesses legítimos e vê seu destino desmoronar aos poucos.

Vemos, então, a escalada da influência neofascista na vida do rapaz de 22 anos. No entanto, o filme não nos dá muitas referências de quem ele costumava ser antes dessa derrocada – sabemos apenas que ele é fã de futebol e especialista em metalurgia. Louis, por outro lado, parece ser um rapaz muito mais sensível, quieto e focado. Essa dicotomia apresenta um ponto de confronto entre os dois tipos de personalidade, despertando uma espécie de frustração por parte de Fus, que parece ter cansado de buscar a aprovação do pai.

Apesar da proposta super atual e ousada, o filme falha um pouco em engajar o telespectador na história contada. Não há muitos artifícios para nos fazer criar afeição ou empatia pelos personagens, tampouco há uma construção de personagem sólida e interessante. No entanto, o pai, Pierre, transmite uma aura de preocupação pela integridade física e psíquica do seu filho mais velho, algo que nos deixa sentir uma pontada de empatia.

Cena de "Brincando com fogo" (Foto: Imovision/ Divulgação
Cena de “Brincando com fogo” (Foto: Imovision/ Divulgação)

Algo interessante a ser mencionado é a cena de dança entre Fus e seu pai. Nela, temos um vislumbre de um momento de carinho entre ambos, quando o filho pede ao pai que o ensine a dançar quando estão em uma festa. A cena tem o potencial de emocionar, pois é neste momento que Fus demonstra sua fragilidade, ao mesmo tempo que revela ao pai uma faceta sensível até então desconhecida ao espectador. É definitivamente um belo momento.

Porém, logo temos o crescimento da tensão, o acontecimento que mudará para sempre a vida dessa família. Não que haja tensão de fato, mas vemos emergir certa aura de mistério que intriga. Fus, o personagem central dessa trama, leva as ideologias que ocuparam de vez a sua mente para um lado obscuro, perigoso e irreparável.

Acompanhando esta jornada, tentamos entender: como este jovem foi cooptado pela extrema-direita? Qual o discurso que o cativou a esse ponto? Primeiramente, seu lar passou a ser totalmente centrado em figuras do sexo masculino e, claramente, a falta da figura materna despertou certa revolta no filho mais velho, o qual se entregou aos sentimentos de rejeição pelo pai. Em segundo lugar, essa solidão e afastamento do núcleo familiar deixa-o vulnerável, de forma que qualquer sinal de companheirismo e pertencimento vindo de outras pessoas o faz repetir padrões de comportamento nocivos. Por fim, há o inebriamento característico desse tipo de grupo extremista: a suposta rebeldia, o inconformismo com a diversidade e a busca pelo autorreconhecimento.

Essa narrativa tem se tornado cada vez mais comum, e faz parte de algo muito maior. O crescimento da comunidade masculinista (ou popularmente chamada de “machosfera”) vem cooptando jovens cada vez mais cedo, forjando uma sensação de pertencimento a um grupo social de prestígio mas que, na verdade, se pauta em preconceitos de raça e gênero e incentiva o ódio. O resultado disso é o que acompanhamos em diversas obras de ficção (como Adolescência, produção da Netflix), bem como na nossa realidade material.

“Brincando com fogo”, novo lançamento da Imovision, estreia nos cinemas no dia 30 de outubro de 2025 e segue em cartaz em algumas cidade selecionadas até o final de novembro, que você pode consultar aqui .

Importante mencionar que além de ser uma distribuidora de filmes independentes, a Imovison também conta com uma plataforma de assinatura, o Reserva Imovision, nela há uma curadoria bastante interessante de filmes premiados ao redor dos melhores festivais de cinema do mundo, além de muitos clássicos cults que todo fã de cinema deve amar, vale a pena dar uma olhada.

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2 comentários

  1. Ao ler seu texto, fiquei pensando o quanto é proposital, no enredo, não nos mostrar um “antes” do personagem.

    Isso me remeteu à série Adolescência (Netflix), na qual me vi sequestrado pela tentativa de encontrar sentido no que o menino havia feito. E, ao que parece, algumas coisas não podem ter um sentido tão “unívoco”, tão “sólido” — e talvez não exista passado que dê conta de explicar isso.

    Não sei… fiquei pensando nessa estratégia de nos colocar, enquanto espectadores, dentro de um trem que acelera — cuja origem desconhecemos, mas cuja batida já conseguimos ver se aproximando.

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