Música

“Rock Bravo” e o caipira que se reinventa a partir de Gabeu

Artista queer que, por meio de muita pesquisa e novas referências e estilos, busca uma nova identidade para o sertanejo brasileiro, Gabeu se coloca novamente como um nome a se ficar de olho quando pensamos em experimentações e inovações na música

Assim como sua colega de carreira musical, Gaby Amarantos, que vem fazendo “barulho” com seu projeto mais recente “Rock Doido“, arriscando passar por diferentes gêneros e referências, Gabeu também constrói um EP coeso, que, apesar de contar com três regravações, se mostra original. Se Gaby Amarantos já é bastante conhecida no Norte e Nordeste do Brasil e brinca com diferentes estilos e homenagens a essas regiões, Gabeu ainda parece enfrentar um certo preconceito. Isso ocorre tanto dos setores ligados ao mundo do estilo musical sertanejo como da própria comunidade em que ele está inserido.

Suas referências, que passam muito pela música urbana e da cidade grande, como por exemplo São Paulo, cidade em que se estabeleceu, não são muito aceitas pelo sertanejo. Por sua vez, as batidas eletrônicas, as baterias, o grave, a guitarra, que o Sudeste e o Sul do Brasil tanto amam, não aceitam muito bem as influências sertanejas que o artista busca trazer para suas obras. Isso o deixa em uma espécie de não lugar.

No entanto, é a partir deste não lugar que parece nascer sua maior autenticidade. A música inédita que fecha o EP homônimo Rock Bravo” dialoga muito com o cinema, em que “Amácio Mazzaropi” parece ser esse caipira, jeca, que era a personificação do brasileiro comum sem se mostrar muito interessante, principalmente em um período de grande destaque para o Cinema Novo brasileiro, mas que hoje tem sua obra cinematográfica totalmente reavaliada pela crítica especializada, sendo reconhecida sua importância histórica, sociológica e cultural, é a partir disto que Gabeu “brinca” em sua música, Mazzaropi poderia ser como um caipira em Hollywood, mas na verdade seria bem melhor que Clint Eastwood, ator e cineasta estadunidense, muito conhecido pelos seus papéis em filmes de faroeste e ganhador de quatro óscares.

Imagem de divulgação EP RocK Bravo

Criar uma identidade própria parece ser um trabalho psíquico um tanto complicado, e em um mundo que parece do avesso, ao valorizar o comum e o cotidiano e não aceitar as diferenças ou se arriscar ao experimental, pode levar cada vez mais a música brasileira para o buraco, assim como grande parte do pop norte-americano, que é bastante comum falarem que está morto. Os indicados ao Grammy 2026 atestam isso.

Profundo pesquisador da música caipira raiz — aquela ligada ao homem do campo que estava muito longe do investimento do agronegócio —, que inclusive lhe rendeu o prêmio Inezita Barroso em 2024, um dos principais prêmios dedicados à celebração e reconhecimento voltados à valorização da música sertaneja de raiz, Gabeu mostrou neste EP que consegue reatualizar clássicos atemporais para uma linguagem nova, que dialoga com outra geração, mas que ainda mantém uma essência carregada de melodrama e sentimentalismos, como era marca registrada de grande parte desse gênero.

É o exemplo do terceiro single do EP “Telefone Mudo“, clássico de 1983, do Trio Parada Dura, que é uma das músicas sertanejadas mais regravadas, mas que ainda assim Gabeu conseguiu dar uma identidade própria.

Típico das modas de viola que surgiram no sudeste e centro-oeste do Brasil, o artista traz para o melodrama de Nx ZeroAvril Lavigne dos anos 2000, os sentimentos de quem ainda ama profundamente algo, mas não tem correspondência, e que, entre o orgulho ferido e manter-se digno mediante ao abandono, enxerga a impossibilidade da reconciliação.

Imagem de divulgação do EP Rock Bravo

Já na regravação de “Chitãozinho e Xororó”, composta por Athos Campos e Serrinha em 1939, uma batalha de viola e guitarra parece acontecer, em contraste direto com a valorização do estilo bucólico e a importância de dois passarinhos na vida de alguém.

E na primeira canção regravada do projeto, “Minas Gerais“, lançada por Tião Carreiro e Pardinho em 1979 e tida por muitos como os precursores do pagode, aparece aqui como um country rock, digno de lembranças de grandes bandas norte-americanas do gênero, como Creedence Clearwater Revival, e que conta com a celebração da identidade cultural de um povo marcado pela simplicidade, pela tradição e por um profundo vínculo com a terra.

Assim, Gabeu dá forma a um álbum que ao mesmo tempo parece descontruir um gênero para reconstruí-lo a partir de uma nova identidade e roupagem. O artista, que já foi indicado ao Grammy Latino com o primeiro disco, parece estar em busca de novas descobertas e experimentações e aparentemente está no caminho certo. Pena que muitos não enxergam isso.

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1 comentário

  1. O álbum e a trajetória do artista parecem a tentativa de encontrar um modo de expressão em um meio que veio tão antes dele. Um filho de cantor, que se enlaça na música raiz e brinca com ela (assim como a estética de gênero e semiótica) para criar seu modo de reconhecimento no mundo. – Queria muito saber o que ele sente ao cantar essa raiz que tenta re.escrever(?) 

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