De olho no Oscar 2026: Melhor Filme Internacional

“Foi Apenas um Acidente“, “O Agente Secreto” e “Valor Sentimental” são apostas praticamente certas na shortlist de melhor filme internacional, e ambos os três longas devem ter indicações para além desta categoria; os três parecem partir em pé de igualdade com erros e acertos, em que vão precisar se equilibrar em uma campanha acirrada, e que com certeza será dinâmica ao longo da temporada de premiação, que, fora os grandes festivais, já começou com o Prêmio do Cinema Europeu.

“Foi Apenas um Acidente“ é, talvez, o melhor trabalho do prestigiado diretor Jafar Panahi, mas o representante da França na corrida do Oscar Internacional não tem nada de francês, a não ser a pós-produção, que foi realizada no país. Ainda assim, é um filme que, em tempos de conflitos mundiais tão intensos e crescimento de opressões estatais em todo o planeta, principalmente com a ascensão de políticos conservadores e da extrema direita, o diretor busca uma postura ética, apresentando-se como um “narrador observador” possível de um país que muitas vezes parece dividido entre religião e desejo por mais liberdades e menos repressão, mas que acima de tudo se mostra sendo um roteiro não sobre vingança ou perdão, e sim sobre a perpetuação dos círculos de violência.

Em “O Agente Secreto“, Kléber Mendonça Filho quer mostrar para o mundo o poder da memória e a miséria subjetiva à que pode nos levar o esquecimento, mas não é seu melhor trabalho, apesar de estar sendo o mais reconhecido e premiado. Acho que isto se dá em certa medida também pelo ótimo momento que o cinema nacional está; acaba que uma coisa leva à outra. Além disso, pesa contra o filme o Brasil ser o atual vencedor do Oscar de Melhor Filme Internacional, com “Ainda Estou Aqui“, sendo ambos os filmes dentro de um mesmo recorte histórico temporal e temática, ainda que difiram em forma e conteúdo.

“Valor Sentimental“, talvez seja o mais desconhecido e subestimado dos três até o momento. O novo longa de Joachim Trier, representante da Noruega, é o grande destaque do Prêmio de Cinema Europeu, mas fora da Europa a divulgação, campanha de marketing, plano de lançamento e distribuição parecem estar dando passos modestos e lerdos, o que pode atrapalhar o filme na temporada de premiações estadunidense, mas dependendo das próximas semanas e da recepção natalina do filme, que fala sobre afetos e laços familiares, a obra pode crescer e surpreender ao longo de janeiro e fevereiro.

Para além destes três principais filmes, na nossa opinião, correm por fora, “Sirât“, o representante da Espanha, “Águias da República“, o representante da Suécia, e “O Olhar Misterioso do Flamingo“, o representante do Chile. São três obras bastante ambiciosas e originais, mas que talvez ressoe menos mundialmente, tanto com relação a repercussão midiática que o Oscar aparenta cada vez mais buscar, como também se vender por si só como uma obra que dialoga com temas universais para além das práticas discursivas no caso de “Águias da República”, ou o deserto como metáfora de um paraíso difícil de ser alcançado ou um refúgio em busca de liberdade, em que a música funciona como um motor propulsor da narrativa no caso de “Sirât”, ou ainda o contexto da epidemia de HIV nos anos 70 e 80, agora no interior do México em uma vila de operários, em que uma comunidade de travestis formam uma família para sobrevirem aos sistemas de opressão que estão constantemente submetidas no caso de “O Olhar Misterioso do Flamingo”.

“Sirât” nasce de um contexto político um tanto complicado. Seu diretor, Oliver Laxe, nasceu na região da Galícia, local em que seus pais moram e que luta até hoje pela independência da Espanha. Então, em um mundo em que o imigrante é a ameaça constante, é no mínimo curioso que um filme em que a ameaça do não dito e que tem como plano de fundo o Marrocos seja o representante da Espanha no Oscar 2026 e tenha ganhado o prêmio do grande júri em Cannes, o maior festival francês, país este que, por muito tempo, assim como a Espanha, ocupou o Marrocos.  

“Águias da República” tem sua força na contradição, mostrando o ser humano discursivamente frágil e contraditório, que um dia diz uma coisa e no outro dia pode dizer outra completamente diferente. É um filme em que a narrativa é puramente discursiva, no sentido de que é atravessada pela ideologia, e seus personagens mudam conforme mudam o poder e o jogo de interesses; a dinâmica do medo e da repressão também estão presentes. Assim, o longa não apresenta respostas e propostas fáceis; fica a nosso critério o julgamento do bem e do mal e, assim como em nosso contexto de vida, muitas vezes não temos como dar plenamente a razão ou tirar a razão de alguém. Muitos dos embates discursivos de nosso tempo se dão de maneira dialógica, sem muitas vezes entender que existe a alteridade.

E por último “O Olhar Misterioso do Flamingo”, que, ainda que não fique entre os indicados, merece muito ser visto. O filme, que tem uma das fotografias mais belas que já vi no cinema, trabalha de forma bastante intensa a relação de afeto que grupos marginalizados podem constituir em nome da sobrevivência. O filme é uma linda carta de esperança para aqueles que deixaram de acreditar na possibilidade de amar, mas também é triste na medida em que muitos da comunidade LGBT da época da epidemia mundial de HIV tiveram que lidar com a dor e o sofrimento do preconceito para com a própria orientação sexual, além da dor e sofrimento de uma doença que ainda não tinha tratamento adequado nem nos grandes centros urbanos, imagina nas regiões pobres e interioranas, como é o caso dessa vila de operários do México.

Interessante notar que, dentre os seis filmes que selecionamos, três são da distribuidora de filmes independentes Imovision, que, além de ser distribuidora, também conta com uma plataforma de assinatura, o Reserva Imovision, nela há uma curadoria bastante interessante de filmes premiados ao redor dos melhores festivais de cinema do mundo, além de muitos clássicos cults que todo fã de cinema deve amar. Indicamos ficar de olho para saber se, depois das temporadas de premiação e do circuito comercial, estes filmes aparecerão na plataforma. Tem alguns, como é o caso de “Foi Apenas um Acidente”, que a distribuição está sendo feito em parceria com a MUBI, então o filme deve ser lançado lá, depois dos cinemas.

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