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“A Queda da Casa de Usher”: a adaptação da Netflix que une o melhor de dois mundos

Quando pensamos em gatos pretos, mortes inexplicáveis, cenários góticos, melancolia e, principalmente corvos, é difícil não pensar em Edgar Allan Poe. E com tamanha riqueza de características, é fácil imaginar as infinitas e ricas possibilidades de adaptações que poderiam ser realizadas a partir de um universo sombrio e, de alguma forma, sedutor para os amantes do mistério e terror

Sendo assim, temos a minissérie da Netflix “A Queda da Casa de Usher”, composta por 8 episódios que conta com Mike Flanagan como criador e diretor da produção. 

Além de Flanagan, a minissérie conta com a participação de um elenco já conhecido do público mais próximo das obras anteriores do diretor, como por exemplo, “A missa da meia-noite” (2021), “A Maldição da Residência Hill” (2018) e “A Maldição da Mansão Bly” (2020)

A Queda Casa de Usher” teve sua estreia em outubro de 2023, momento perfeito em que se está curtindo o clima de gostosuras ou travessuras do Halloween. 

Cena de "A Queda da Casa de Usher" (Foto: Netflix/ Divulgação)
Cena de “A Queda da Casa de Usher” (Foto: Netflix/ Divulgação)

“Durante todo um dia pesado, escuro e mudo de

outono, em que nuvens baixas amontoavam-se

opressivamente no céu, eu percorri a cavalo um trecho de

campo singularmente triste, e finalmente me encontrei,

quando as sombras da noite se avizinhavam, à vista da

melancólica Casa de Usher.” – Edgar Allan Poe

Sobre a narrativa: 

A série começa fora de uma narrativa linear, pois nos deparamos com Roderick Usher presente no enterro de seus 6 filhos, algo que já nos leva a pensar: como eles morreram? 

Cabe ressaltar que alguns segundos antes, nos é mostrada uma parede de tijolos e ao fundo a música do Pink Floyd, “Another Brick in the wall” tocando: “All in all, it’s just another brick in the wall / All in all, you’re just another brick in the wall”, o que já dá indícios do que está por vir, afinal, nada nessa série é apresentado por mero acaso. 

Logo depois, conhecemos Auguste Dupin, detetive encarregado de investigar a família Usher,que vai ao encontro de Roderick na casa onde ele cresceu, junto de sua irmã gêmea, Madeline. Nesse encontro, Roderick diz que dará a Dupin aquilo que ele mais deseja: sua confissão. E ainda garante contar como seus 6 filhos morreram. 

O primeiro episódio serve como uma espécie de apresentação da família Usher: sua origem e um pouco sobre cada um dos 6 filhos – antes de serem mortos. 

Além da narrativa de Roderick ser contada a partir do desfecho envolvendo os sombrios acontecimentos de sua família, também é acrescentada uma espécie de flashback ou linha temporal que mostra ele e Madeline na virada do Ano Novo de 1979 para 1980.  

Feita a contextualização, a partir do segundo episódio em diante e seguindo a narrativa de Roderick, entre o presente e o passado, acompanhamos como cada um dos filhos sucumbiu, bem como ocorreram a ascensão e a queda dos Usher. 

A forma como a narrativa é construída – de trás para frente – nos remete a um tipo de narrativa já utilizada na literatura brasileira. Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, apresenta uma narrativa em que narrador escreve suas memórias postumamente, ou seja, depois de morto. Dessa forma, conhecemos a vida do autor, de tal forma, que tudo o que ele narra – suas memórias – já ocorreu e ele está apenas registrando. 

Uma curiosidade interessante é que Machado de Assis chegou a traduzir uma poema de Edgar Allan Poe, “The Raven”, ou em português “O Corvo”, escrito famosíssimo por sua melancolia devido ao luto no qual está o narrador. 

O que é criticado e o que se aproxima da realidade?

A minissérie, ao longo dos episódios, reforça sua crítica às grandes indústrias farmacêuticas presentes no mundo real.

No universo ficcional da série, acompanhamos  a família Usher logrando da riqueza adquirida graças às vendas de medicamentos analgésicos viciantes. Para os dois irmãos bilionários, a venda de medicamentos é uma forma de mudar o mundo; no entanto, não admitem que a forma que esses medicamentos mudam o mundo é através de incontáveis mortes em decorrência do vício. 

O mais importante para os protagonistas é manter o império da farmacêutica Fortunato; a qualquer custo, seguindo o mais selvagem que pode haver dentro do sistema capitalista. 

O Ligodone, medicamento fictício da série, é vendido às massas por meio de um marketing que permite a ilusão de cura rápida e eficiente, promovendo a imagem de um analgésico milagroso e sem efeitos colaterais a quem o utiliza. 

Dessa forma, traçando um paralelo com a realidade, a série mostra que para pessoas como os Usher, sacrificar milhares de vidas para obter lucro e, manter seu império, é uma opção totalmente viável.

Para se aprofundar no tema, é possível acompanhar na Netflix uma minissérie chamada “Império da Dor”, lançada em 2023, que aborda, em 6 episódios, como o analgésico OxyContin gerou uma epidemia de opioides nos Estados Unidos e como isso levou a milhares de mortes. 

Como une o melhor de dois mundos?

A série A Queda da Casa de Usher possui como base para o enredo contos além desse conto de mesmo nome, poemas e até mesmo um romance escrito por Edgar Allan Poe

Os contos utilizados de inspiração na série:

  • Os Assassinatos da Rua Morgue;
  • O Gato Preto;
  • O Coração Delator;
  • O Escaravelho de Ouro;
  • O Poço e o Pêndulo;
  • O Corvo;
  • O Barril de Amontillado;
  • O Enterro Prematuro;
  • Berenice.

Também há uso de alguns poemas de Poe, tais como:

  • Annabel Lee;
  • A Cidade no Mar;
  • Dreamland;
  • Tamerlane;
  • Spirits of the Dead. 

E de romance, temos:

  • A Narrativa de Arthur Gordon Pym. 

O que chama atenção ao observar tais contos diz respeito à forma como são referidos nos episódios da série. 

Essa não é a primeira adaptação de “A Queda da Casa de Usher”!

Antes da série de Flanagan, houveram algumas adaptações cinematográficas do conto:

  • The Fall of the House of Usher (curta) (1928) – França – Direção: Jean Epstein. 
  • The Fall of the House of Usher (curta) (1928) – EUA – Direção: James Sibley Watson e Melville Webber.
  • House of Usher (bra: O Solar Maldito) (1960) – EUA  – Direção: Roger Corman.
  • The Fall of the House of Usher (1982) – Tchecoslováquia – Direção: Jan Švankmajer. 
  • Revenge in the House of Usher (1988) – Espanha/França – Direção: Jesús Franco 
  • The House of Usher (1989) – EUA – Direção: Roger Corman.
  • The House of Usher (1989) – EUA – Direção: Alan Birkinshaw.
  • The House of Usher (2006) – EUA – Direção: Hayley Cloake. 

Para aqueles que gostaram de outras obras de Mike Flanagan, como Missa da Meia-noite, A maldição da Mansão Bly e A Maldição da Residência Hill, pelo seu tom sombrio e emocionalmente complexo, A Queda da Casa de Usher é uma boa dica que une o melhor do universo literário de um dos pais do terror com as habilidades de direção de um apaixonado pelo mundo do terror

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