Cinema

“Folhas de Outono”: Encontros e desencontros de um amor em meio à crise

Novo filme do diretor finlandês Aki Kaurismäki é um singelo retrato de como um amor pode emergir mesmo em tempos ruins

Cena do filme “Folhas de Outono”. © (Foto: Malla Hukkanen ©Sputnik)

Folhas de Outono

Folhas de Outono“, lançamento dessa semana nos cinemas brasileiros, tem ares de comédia romântica, mas nos encanta exatamente por seu lado oposto ao gênero: é uma história de dois trabalhadores apáticos que, em meio aos seus altos e baixos (leia-se “baixíssimos”) na carreira profissional, conseguem encontrar um no outro uma faísca de atração.

Em uma noite depois de um expediente cansativo para Holappa (Jussi Vatanen) e uma demissão para Ansa (Alma Pöysti), os dois são levados por seus amigos para um bar karaokê. Lá, eles apenas trocam olhares enquanto a amiga de Ansa discute os talentos musicais do amigo de Holappa. Em outro momento, Ansa e Holappa se encontram acidentalmente e aproveitam o acaso para tomar um café e ir ao cinema, mas uma pequena adversidade impede o reencontro dos personagens. Novamente, como ímãs que se atraem sem nem mesmo se darem conta, eles voltam a se encontrar por acaso e marcam um jantar. Conversa vai e conversa vem, ambos acabam entrando em um choque de opiniões e rompem a promissora união de forma abrupta.

O assunto sobre o qual divergem é um mote da vida de Holappa e motivo de seus diversos momentos de declínio: o alcoolismo. Durante todo o filme, vemos o personagem dando pequenos goles em uma garrafa que guarda dentro do próprio casaco. Mesmo em horário de trabalho, lá está Holappa cuidadosamente retirando a garrafa do casaco e bebendo enquanto pensa que ninguém vê. Para o personagem, aqueles goles de álcool parecem ser a única forma de suportar a monotonia do trabalho mecânico e repetitivo que desempenha.

Em compensação, a história é um pouco diferente para Ansa. Ela também desempenha trabalhos mecânicos e insalubres, mas só encontra impedimentos por causa das ações de seus chefes, que por vezes discordam de suas atitudes e por outras se envolvem em atividades ilícitas. Ainda assim, Ansa encontra forças para suportar as adversidades e, mesmo em meio à apatia, ainda aquece seu coração com uma cachorrinha.

Entre outras questões envolvendo os dramas da classe operária, o filme também é permeado de trechos de notícias sobre os ataques da Rússia à Ucrânia. Em diversas cenas, Ansa busca ligar o rádio para ouvir sobre o conflito, chegando até a comentar sobre ele com Holappa em determinado momento. É curioso ver o interesse de uma jovem trabalhadora pela política externa, mas é importante lembrar que um dos possíveis motivos para esse cenário é a recente entrada da Finlândia para a OTAN, que não por acaso faz fronteira com a Rússia. A Finlândia mantém relações conturbadas com a Rússia, algo que impacta diretamente na vida dos finlandeses.

Outra questão marcante do filme são as referências ao cinema. Temos desde uma exibição da comédia de Jim Jarmusch Os Mortos Não Morrem, dois indivíduos comentando sobre o filme e comparando-o com Godard (de forma sarcástica) até o nome da cachorrinha de Ansa (que não será dito aqui, pois é revelado em um lindo momento). Por isso, temos o filme também como uma encantadora homenagem ao cinema por parte do diretor Aki Kaurismäki.

É incrível como o diretor consegue unir tantos elementos de diversas naturezas de forma tão coesa e cativante. Este foi o primeiro longa que vi de Aki Kaurismäki, então não sabia o que esperar. Descobri posteriormente que muitas das obras do diretor tem uma espécie de humor “oculto” como uma característica marcante, além de ser um grande parceiro de Jim Jarmusch, tendo colaborado com ele em algumas oportunidades.

Recentemente, a MUBI anunciou que o filme é o representante oficial da Finlândia para o Oscar 2024. Vale a pena conferir o filme, foi uma grata surpresa!

Folhas de Outono” estreou nos cinemas brasileiros na quinta-feira (30), distribuído pela O2 Play.

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