
Anton Pavlovitch Tchekhov (1860–1904) foi médico e escritor russo, bastante conhecido no meio literário por modernizar a forma com que se escrevia peças e contos no final do século XIX e início do século XX.
Sempre apaixonado pela literatura e pelo teatro, o contista intercalava a escrita com sua profissão interina no ramo científico, na qual contribuiu do ano de 1884 ao ano de 1897 — como foi mencionado pelo tradutor e ensaísta naturalizado brasileiro, Boris Schnaiderman, na nota biográfica do autor:
Tchekhov afirmava que a medicina era sua esposa legítima, enquanto a literatura seria sua amante. (A Dama do Cachorrinho e Outros Contos, Anton Tchekhov — Editora 34; 6ª Edição — 2014)
A jornada literária de Tchekhov começou com pequenos contos humorísticos publicados em revistas. Embora tenha sido um grande amante da literatura, especialmente nesse período, o autor escrevia pelo dinheiro — conforme afirma Elena Vássina (Professora de Literatura e Cultura Russas na Universidade de São Paulo) em entrevista exclusiva para A Pista:
“Já cursando medicina, Tchekhov começou a escrever os contos curtos e humorísticos para ganhar dinheiro, ele sempre assinava esses contos com pseudônimo. Então, existia o aluno de medicina, Anton Tchekhov; e existia também, o escritor humorístico, “Antocha Tchekhontê”. Ele começou a ganhar muito bem, existe uma situação paradoxal na Rússia de que os escritores ganham bem mais que um médico.”, complementa.
O escritor já detinha desde o início, em seus contos mais despretensiosos, características primordiais — como a forma direta de imergir o leitor na atmosfera e na vida dos personagens —que o consagrariam e o diferenciariam dos demais autores já conhecidos pelo gênero. (A Morte do Funcionário, 1883); (Caso com um Clássico, 1883).
A escrita de Tchekhov e seu desenvolvimento

Nos anos seguintes o escritor foi adquirindo notoriedade no meio literário, suas obras ganharam características mais profundas e os personagens dilemas mais intensos, como em Angústia (1885) e Inimigos (1887), levando o autor a receber o prêmio Púchkin — o maior prêmio da literatura russa concedido pela Academia de Ciências da Rússia.
Lendo as obras posteriores, o leitor irá se deparar frequentemente com temas e situações semelhantes as que se encontravam nas grandes obras russas da época, escritas principalmente por Dostoiévski e Tolstói.
“Esse mergulho cada vez mais intenso na literatura ajudou Tchekhov a criar boas relações, tanto com os críticos literários quanto com os escritores. E assim ele entra nesse meio. Inclusive, um dos críticos literários mais importantes daquela época disse: ‘Você tem talento, você tem que investir no seu talento literário’. Então, Tchekhov passa a escrever mais. A segunda fase de Tchekhov, a partir de 1888 aproximadamente, com a novela ‘Estepe’, já o consagra como um escritor sério e também como um dos melhores da época.”, explica Vássina.
Aquele tom, inicialmente cômico, sobre o cotidiano dos moscovitas, foi cedendo espaço para o drama recorrente nas obras russas da época, mas sempre com características inigualáveis de estilo, como a sua dose por vezes satírica e seu estilo de prosa diretamente condensada em poucas palavras.
“As coisas para Tchekhov eram engraçadas e tristes ao mesmo tempo, mas não se pode enxergar a tristeza se não se enxergar a comicidade, pois ambas estão ligadas” — Vladimir Nabokov
Por meio dessas síntese, o contista alterou todo o status quo pregresso do gênero, com seu estilo moderno e conciso de prosa, o que futuramente veio a influenciar vários outros autores de grande significância.
“Tchekhov descobriu o significado do subtexto, ou seja, na poética da prosa prosaísta tchekhoviana, o leitor adquire o hábito de ler no subtexto, entre linhas e nas pausas.
Tchekhov modificou bastante o gênero clássico do conto e da novela, aparentemente na prosaística de tchekhov não acontece nada, ele eliminou o ‘acontecimento principal’ e o conflito, simplesmente não existe o clímax tanto quanto era considerado obrigatório para o gênero; não existe resolução do conflito e desfecho.”, explica.
Um dos traços que também compõe a sua escrita é o fato do autor ter a capacidade de extrair filosofia do comum, do cotidiano e das coisas mundanas. Em um artigo para a Revista Cult, Vássina acentua que por meio de fatos miúdos, que costumam fazer parte da vida cotidiana, Tchekhov, consegue captar o essencial e o eterno da existência humana. (Gente Supérflua, 1886), (Bilhete premiado, 1887).
A obra dramática

O escritor também se aventurou no drama, escrevendo peças que até hoje são amplamente aclamadas no teatro e encenadas pelo mundo todo. Tchekhov reformulou completamente a estrutura firmada na dramaturgia, alçando seu nome ao lado de Shakespeare, e dando início aos primeiros passos do teatro do absurdo — que influenciou posteriormente nomes como Samuel Beckett e Eugène Ionesco.
“Tchekhov destruiu todas as regras do “fazer dramático” que perdurou durante séculos. O principal era o diálogo, e os personagens da peça de Tchekhov — como em A Gaivota, As Três Irmãs e Jardim das Cerejeiras — não dialogam entre si, eles camuflam o que querem dizer, não há comunicação. Também não há conflito dramático entre protagonista e antagonista, porque Tchekhov também destruiu esse sistema.”, defende a Professora.
No ano de 1896, Tchekhov entregou A Gaivota — sua peça mais recente — para o considerado melhor teatro russo da época, o Teatro Alexandrinsky, de São Petersburgo. A peça foi amplamente vaiada pelo público, pois causou um grande estranhamento, devido a nova estrutura da composição dramática. Envergonhado, o escritor quase chegou ao ponto de desistir da dramaturgia.
No entanto, dois anos após o episódio, Vladimir Nemirovitch-Dantchenko, fundando o Teatro de Arte de Moscou, consegue extrair a peça de Tchekhov e apresentá-la para o público novamente. A peça foi consagrada e obteve sucesso imediato, dando origem ao considerado “novo teatro” ao lado de Constantin Stanislavski — importante nome do teatro russo, pioneiro na arte da encenação e de dirigir teatro na Rússia.
Com a habilidade de sugerir ao leitor temas intrínsecos do existencial e da simplicidade humana por meio de nuances e minucias, Tchekhov transfigurou gêneros com sua genialidade, fincando seu nome na história da dramaturgia e da literatura mundial.
“Tchekhov apresenta-se inesgotável, porque, apesar da aparente descrição da vida trivial, em seu leitmotiv (motivo condutor) principal, ou seja, espiritual, ele sempre fala sobre o Humano com maiúscula”. — Constantin Stanislavski.
Anton Tchekhov morre em maio do ano de 1904 na Alemanha, aos 44 anos, por conta de complicações em seu quadro de tuberculose.

