Filmes

Oscar 2021: Um guia sensorial dos 8 indicados a Melhor Filme

Os concorrentes chegam forte esse ano e procuram ao máximo explorar os sentidos humanos

Em um ciclo atípico de Oscar, como foi o de 2020/2021, sem sombra de dúvidas os grandes vencedores são as indústrias de streaming. Recentemente redes como Netflix, Amazon Prime e Disney+ viram seus assinantes aumentarem de forma exponencial, porém trazendo com isso também uma grande responsabilidade, pois o amante de cinema, mesmo que no conforto de sua casa  — já que devido as circunstâncias infelizmente isso tenha ocorrido mais em telas pequenas  — não abre mão de se encantar, de se emocionar e experienciar um bom filme.

Posso ter visto comentários alegando que essa ascensão de filmes de streaming fizeram o cinema perder qualidade, mas estou longe de concordar, esses oito indicados mostram que o cinema de imersão está mais forte do que nunca.

Ao perpassar por esses oito filmes o que fica registrado é uma viagem pelos cinco sentidos humanos: vamos do tátil, minimalista e sensível “Nomadland“, ao olfativo e palativo “Minari”, entramos no labirinto da memória visual e auditiva de Anthony em “The Father”, passamos pelo surdo ouvido de Ruben em “The Sound of Metal”, chegamos na fotografia espetacular de “Mank” (que já o faz nascer cult), com sede de revolução e revolta assistimos atônitos o inflamatório “Judas e o Messias Negro”, e ainda há tempo de ver o papel da política como ferramenta de ação em “Os 7 de Chicago” além de sentir o luto e a revolta contra um sistema machista de uma forma um tanto quanto vingativa em “Bela Vingança“.

Os oito filmes, se analisados em conjunto, podem atestar que esse é o Oscar mais concorrido, diverso e inclusivo da história e para isso parece que precisou existir um grande pause em toda a cadeia cinematográfica mundial.

Nomadland e o cinema experimental

Trailer de “Nomadland”

Em uma sociedade cada vez mais fragmentada e guiada pela lei dos afetos, “Nomadland “mostra que o importante não é o destino e sim a experiência, seja para quem está prestes a morrer, seja para quem quer superar o luto ou seja para quem simplesmente quer sobreviver a meia idade de forma digna. É a experiência e a vida em comunidade que vai guiar o primoroso roteiro adaptado de Chloé Zhao e acompanhar a imersão de Frances McDormand em uma realidade que pode ser quase que apalpada e sentida do lado de cá da tela.

Ao trabalhar com atores não profissionais e fazer quase que um documentário da vida na estrada entre empregos e desempregos, entre solidão e conversas animadas, entre um caminhar na rica paisagem que completa as cenas de forma subjetiva, Zhao mostra que o cinema experimental é uma das formas mais completas de expressão cinematográfica.

Com 6 indicações ao Oscar, “Nomadland” é o amplo favorito em pelo menos duas categorias, melhor filme e melhor diretor(a), que dessa vez conta com duas mulheres concorrendo, histórico. Vem forte ainda na categoria de melhor atriz, roteiro adaptado, fotografia e edição.

Filme de tribunal é limitado?

Trailer de “Os 7 de Chicago”

Para funcionar de forma satisfatória o espectador de “Os 7 de Chicago” precisa colar seus olhos aos detalhes para entender todo o embate político que tem nas camadas intermediárias do filme, e como esse é um trabalho a mais para o expectador, coloco isso como defeito, não é necessário entregar tudo de mão beijada ao telespectador, mas fazer uma pesquisa extra para compreender o sentido e a mensagem do filme é problemático.

Não há espaço para decorrer sobre as várias informações que são jogadas ao telespectador no começo do filme, bem como falta espaço para mostrar mais de cada um do estrelado elenco. Dentro do tribunal, ao trazer temas atuais como racismo, violência policial, polarização política e enfrentamento das diferenças por uma causa justa, o filme encontra seu ponto maior e convence como drama que mostra propósito e cria empatia por uma bandeira, que nesse caso era o fim da Guerra do Vietnã e o conturbado ambiente político interno estadunidense. O filme mostra a máxima do que esperamos dos movimentos políticos, os mesmos serem usados como ferramenta de ação social.

Os 7 de Chicago” é uma amostra da existência de um julgamento político em que já se sabe o veredicto antes mesmo do julgamento começar. Com um juiz autoritário, um sistema altamente polarizado, com bastidores de segregação e silenciamento dos Panteras Negras  — que estava em ascensão no período em que se passa o filme. O filme mostra que tudo vale para se ganhar uma eleição, até mesmo criar um julgamento com falso embasamento e alegações, ao exemplo de um famoso caso de Curitiba.

The Father e o labirinto da memória

Trailer de “The Father”

Anthony Hopkins entrega nesse filme uma das maiores atuações de sua carreira, se não a maior. Sua entrega ao papel e o desenvolvimento de sua história ao longo do filme é espetacular, no entanto há no caminho um saudoso e igualmente talentoso Chadwick Boseman, que certamente levará a estatueta de melhor ator.

Porém isso não deve diminuir a importância desse trabalho de estreia do premiado escritor e dramaturgo Florian Zeller, que transmite através dos olhos e mente de seu protagonista um verdadeiro labirinto afetivo de pai para filha, em que o Alzheimer vai fazendo se deteriorar cada vez mais a ideia de presente, passado ou futuro, seja para o protagonista que não sabe mais o que é real, seja para nós que tentamos juntar esse interessante quebra‑cabeças que foi adaptado do teatro de forma magistral. Adentramos na cabeça de Anthony para entender sua memória visual e auditiva que já com estágio avançado da doença confunde ambientes de seu apartamento, conversas e família.

Minari, gosto e cheiro de Coreia 

Trailer de “Minari”

“Minari” tem na figura da avó Soonja e em seu neto David as cenas de ponto alto no filme. David tem dificuldade de reconhecer Soonja como sua vó, pois essa não tem traços adaptados a cultura em que ele se estabeleceu, que no caso é a americana, isso cria diversas situações engraçadas e também emocionantes ao longo do filme.

Para David a vó “fede” a Coreia, e como ele nunca esteve lá, não tem o laço de ancestralidade que Soonja busca despertar novamente na família. Aos poucos esses traços vão sendo apresentados diante do conciso, mas brilhante roteiro de Lee Isaac Chung: pelo modo de agricultura da família, pela cultura e pelos laços familiares  — elo esse que no caso é representado pela avó, que acaba causando um incêndio de proporção devastadora para a família, mas que também é responsável por uma plantação de Minari.

A avó evidencia em sua figura ancestral um ciclo em que o respeito ao conhecimento empírico, bem como o local, deve ser levado em conta para o estabelecimento de uma nova comunidade. Ao final é a avó e o Minari, importante raiz presente na alimentação de coreanos, que vai salvar a família em sua empreitada de fornecer alimentos à coreanos imigrantes. O gosto e o cheiro de Coreia estão presente em diversas cenas o que torna o filme também um registro afetivo e quase autobiográfico para Lee Isaac Chung.

O imersivo The Sound of Metal vai levar o Oscar de som

Trailer de “Sound of Metal”

Riz Ahmed merecia um Oscar por essa atuação, mas infelizmente esse ano tem dois que fazem um trabalho tão estupendo como o dele. Sua dedicação, expressão e imersão no trabalho criativo do diretor Darius Marder faz dessa atuação uma das que tem que entrar para a história do cinema.

O roteiro acompanha a turnê de um jovem casal de heavy metal, até que a mesma é interrompida pelo problema de surdez cada vez mais crescente de Ruben, a partir daí Darius nos leva para uma imersão anestésica dentro do filme, que com aflição tendemos a esperar que tudo vai dar errado, e o vício em heroína retorne, mas para alívio o foco é outro, é na comunidade de surdos que podemos tirar as maiores lições do filme e entender o papel do silêncio através de uma mixagem e edição de som praticamente perfeitos em que certamente renderá o prêmio a “The Sound of Metal“.

Mank e os bastidores de Hollywood

Trailer de “Mank”

Quem escreveu “Cidadão Kane”? Orson Wells ou Herman J. Mankiewicz? ou ambos? Esse é um dos assuntos abordados ao longo do filme, bem como o conturbado bastidor de preparação do roteiro de um dos maiores clássicos da era de ouro do cinema americano.

Mank” mostra ainda alguns efeitos da grave crise de 1929 no cinema americano, e vai além, mostrando como Herman, o Mank, ainda era viciado em álcool e jogos/apostas, além de como isso o afastou de muitas possibilidades de trabalho e quase o levou a falência. Filho de judeus, Mank via em Hitler e no partido democrata seus piores inimigos, fazia apostas malucas com magnatas da Paramount e da indústria Mayer, para livra‑lo de tudo isso, conta a lenda, que Welles deixou tudo pago e o instalou em um casa de fazenda para que assim Mank pudesse ter tranquilidade e escrever “Cidadão Kane“. Porém, depois de pronto, Mank se recusou a vender o roteiro conforme conta o filme e exige créditos de coautoria que lhe rendeu o Oscar de melhor roteiro original.

Mank“, possui um rico roteiro sobre uma época nostálgica e eufórica do cinema, nasce querendo ser cult e talvez esse seja seu maior erro. Com 10 indicações ao Oscar é o favorito apenas em Edição de Arte.

Judas e o Messias Negro, o discurso revoluciona

Os Panteras negras até tentam acreditar na política como uma saída para a opressão, se unem, trabalham em comunidade, um apoiando aos outros, para darem o mínimo de dignidade para os marginalizados ao sistema brutal e segregacionista americano. No entanto, quem diria que teria um Judas no meio? Infiltrado pelo FBI, Bill O’Neal sabota um dos maiores movimentos de união de pessoas negras da história do EUA.

Baseado em fatos reais e depois dos desdobramentos da recente onda de assassinatos e violência policial contra a população negra nos EUA é natural que o discurso de “Judas e o Messias Negro” seja altamente inflamatório.

Guiado por Fred Hampton, tendo em vista a história de nomes como Malcolm X e Luther King, o roteiro do filme peca em ser literal demais ao trazer fatos em excesso, como ligações e histórias, que localizam o telespectador no tempo e espaço que se passa, esse trabalho mastigado, tira a dinâmica do filme e quebra a relação que tenta criar desde seu título, entre Messias (Fred) e Judas (Bill).

O que pode parecer ficar de lição, é que para os oprimidos pelo fascismo, o enfrentamento pode ser a única saída para a revolução. No entanto entendemos ao final que a voz de uma revolução não pode ser abafada e que o discurso e sua potência é uma importante ferramenta revolucionária a ser aprendida pela novas gerações. É o senso de revolta que nos prende atônitos até o final do filme.

Bela Vingança e a subversão de gênero

Sob a direção de Emerald Fennell ao trazer uma narrativa pelo olhar de uma mulher que se cansou de só observar como funciona essa sociedade machista “Bela Vingança” subverte todos os estereótipos dos thrilhers que geralmente envolvem torture porn.

Emerald entrega uma reflexão madura, sensível e poderosa em tempos de que cada vez mais a sociedade e a própria indústria de Hollywood vai a caça dos abusadores que fazem hora extra em cargos de poder e passam impunes mesmo que com diversas denúncias.

Cassandra e sua amiga Nina eram um grande prodígio da faculdade de Medicina, até que a carreira acadêmica de ambas é afetada por um grupo de colegas universitários. Enquanto esse passado abala sistematicamente Cassandraque nunca desistiu de justiça —seus ex-colegas seguem tendo uma vida normal. Quando ela descobre que o principal abusador de Nina está para se casar ela arquiteta um plano de vingança perfeito.

Esse é o roteiro do filme, que de certa forma acerta em ser direto e surpreende com um final inesperado, o que pode até render um Oscar de melhor Roteiro Original. Mas que há mim não sustenta a incrível atuação de Carey Mulligan, o elenco de apoio não cativa empatia. Saturado de cores e com uma trilha sonora empolgante, o filme se mostra pop mas do que deveria, pretende incendiar novos debates e ser porta de conteúdo para muito manual feminista, mas não sei até que ponto vai a empolgação. Certo é, que a personagem de Carey atesta que a cultura do estupro precisa acabar.

Leia também:

Judas e o Messias Negro”: o racismo institucional nos EUA

“Malcolm & Marie”: a incomunicabilidade em evidência

“Nomadland”: uma crônica do capitalismo contemporâneo

3 comentários

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: