Cinema

“Bergman Island” e a sensibilidade do artista — 45ª Mostra Internacional de Cinema

Novo filme de Mia Hansen-Løve dialoga com obra de Bergman sem abdicar de buscar sua própria voz

“Bergman Island”

Bergman Island” (2021), novo filme da diretora francesa Mia Hansen-Løve, se passa em Farö (Suécia) — ilha em que o renomado cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007) adotou como lar após se apaixonar por ela enquanto filmava o longa “Através de um Espelho” (1961). No mesmo local também foram filmadas outras grandes obras suas como: “Persona” (1966), “A Hora do Lobo” (1968), “Vergonha” (1968), “A Paixão de Ana” (1969) e “Cenas de um Casamento” (1973).

O trabalho faz parte da programação da 45ª Edição da Mostra Internacional de Cinema e foi indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes de 2021.

O longa de Hansen-Løve acompanha um casal de cineastas formado por Tim Roth (Tony) e Vicky Krieps (Chris), dois aficionados pelo cinema do Bergman que viajam juntos para Farö — um lugar de refúgio para artistas em geral e fãs de Bergman em particular. Apesar de sermos informados de que os dois têm uma filha juntos chamada June, a relação entre ambos parece ter um elemento misterioso e ambíguo. Isso é evidenciado quando Chris conhece Hampus, um sueco estudante de cinema e admirador de sua obra, durante um passeio no começo da história e ela comenta que apenas veio com um “amigo” para passear na ilha.

Cena de Bergman Island
Chris (Vicky Krieps) e Tony (Tim Roth) durante cena de “Bergman Island” (Foto: Google)

Apesar de Chris e Tony serem cineastas, a diferença dos dois é patente. Poderia apontar várias cenas que ilustram essa relação, mas uma em especial é bem reveladora nesse aspecto ao mesmo tempo em que mostra o estilo de direção de Mia (neste filme em especial, o segundo que assisto da diretora):

Lá pela metade do trabalho, Chris entra no quarto em que Tony escolheu para escrever seu próximo roteiro. Ela parece não saber o que quer, anda pelo lugar, mexe nas coisas dele. Tony está concentrado no seu trabalho e só depois de algum tempo nota sua presença e pergunta se ela está procurando algo, ao que Chris responde negativamente.

Acho que essa cena, que de primeira parece inocente ou banal e que não acelera a trama de um modo dramático tradicional é emblemática para pensar sobre a unidade estilística de “Bergman Island“. A personagem da Chris e a própria diretora Mia parecem estar tateando, cada uma em seu meio, por algo que ambas não sabem direito identificar. O longa inteiro, de certa maneira, é sobre isso. A câmera, nesta sequência, transmite uma sensação de leveza e liberdade, assim como a performance da atriz Vicky Krieps.

Bergman Island” é um diálogo de sensibilidades. Chris tentar entender seu fascínio por Bergman, enquanto tenta entender a si mesma através dos personagens que cria por meio de sua arte assim como no seu filme dentro do filme que também se passa em Farö e é estrelado pelos ex-namorados Amy (Mia Wasikowska) e Joseph (Andersn Danielsen Lie).

Trailer legendado de “Bergman Island”

O fantasma de Bergman

Mia Hansen-Løve não tenta copiar o estilo de Ingmar Bergman e acho que ninguém vivo conseguiria mesmo se tentasse. Há uma presença fantasmagórica do Bergman por todo o filme e pela própria ilha em si. É emblemático que quando Chris e Tony vão assistir “Gritos e Sussurros” — na sala de projeção particular de Bergman — um dos funcionários do local indica que eles podem sentar em qualquer lugar, menos na cadeira da frente que é o lugar reservado do Bergman.

É injusto comparar qualquer artista com Bergman, mas é inegável que “Bergman Island” sente falta de um impacto dramático mais forte que poderia ser melhor desenvolvido na relação entre os personagens. É como se a cineasta francesa quisesse proteger suas criações dos conflitos que existem nos relacionamentos e que quando são levados até as ultimas consequências não produzem nenhuma sensação de conforto no público.

No cinema do sueco todas as questões tratadas parecem cruciais e urgentes, de vida ou morte. No filme de Hansen-Løve, a personagem de Chris passa por uma crise criativa, mas ainda tem sua filha, sua arte, o companheirismo de amigos para consolá-la se todo o resto der errado. O final é um pouco ambíguo, mas conciliador de certa maneira, assim como os filmes que a própria personagem da Chris gosta e faz — sugerindo algum traço autobiográfico na protagonista.

O filme é um diálogo com a obra de Bergman em uma primeira camada, mas principalmente uma conversa interior de uma artista tentando se descobrir. As duas camadas funcionam como um dialogo interno, porque mesmo que Chris e Mia não façam filmes no mesmo estilo de Bergman e nem tentem fazer, as duas se debatem com essa influência.

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